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sábado, 16 de julho de 2011

ALÉM DA NOVELA - ÚLTIMO CAPÍTULO DE 'VALE TUDO' PÁRA O RIO

ÚLTIMO CAPÍTULO DE 'VALE TUDO' PÁRA O RIO

O Rio parou ontem à noite para saber quem matou Odete Roitman. Bares ficaram vazios, restaurantes só receberam reservas de mesas para depois transmissão da novela Vale Tudo e teatros e cinemas queixaram-se do movimento reduzido. O trânsito fluía surpreendentemente bem para uma noite de sexta-feira nas ruas da Zona Sul: havia poucos veículos particulares trafegando.

Quando Leila apareceu ontem na tela da Globo matando Odete Roitman, a atriz Cássia Kiss ganhava certamente o melhor presente pelos 30 anos que completava. Afinal, não é pouca coisa ser a assassina da arquivilã de uma novela que, desde o começo, absorveu todas as atenções do público e da Imprensa. Embora sem querer comentar o final gravado - que, descontadas as especulações, conseguiu ser mantido em sigilo até o momento em que as cenas foram ao ar -, ela saiu do estúdio com uma alegria diferente da dos outros artistas. Toda de branco, e avisando que era seu aniversário, Cássia desabafou:

- Estou exausta.

Depois de terminada a transmissão do último capítulo de Vale Tudo, ela disse o que significou para a atriz ter vivido a personagem que responde à pergunta mais repetida nos últimos dias ("Quem matou Odete Roitman?"):

- Gravei o dia inteiro, e agora fiz questão de assistir junto com os milhões de telespectadores ao capítulo da novela. Trabalhei fazendo o melhor que pude, apesar de que o resultado nem sempre foi o melhor, já que fiz um papel de apoio e muitas vezes tive de tirar leite de pedra. Fora dos personagens de primeira linha, a iluminação nunca é fantástica, os closes nunca são demorados, enfim, nada é ideal. Mas me considero uma tremenda pé quente, porque sempre pego papeis que no começo não dizem muito e depois acabam se revelando, como a Lulu, esposa do Zé das Medalhas em "Roque Santeiro".

Apesar de reconhecer que ser escolhida como a assassina de Odete Roitman foi um grande presente de aniversário - dado pelos três autores, mas que Cássia desconfia ter saído da máquina de escrever do ex-repórter policial Aguinaldo Silva -, ela admitiu não se sentir motivada para nenhum tipo de comemoração:

- Estou ainda tomada pelo sentimento de perda de duas pessoas queridas e maravilhosas que eu conhecia pessoalmente. O Chico Mendes e a Yara Amaral (a atriz faleceu num naufrágio do Bateau Mouche IV no Réveillon de 89) Não sei ainda que tipo de sentimento passa por mim nesse momento, mas eu transmiti todo ele nas gravações. Espero que as pessoas tenham percebido. Tomara que o fim de "Vale tudo", somado a esta realidade tão parecida que a gente está vivendo, bata no coração das pessoas e que isto sirva para começar uma transformação qualquer.

NA PORTA DA TV. GLOBO, A EXPECTATIVA DO PÚBLICO

Desde cedo havia gente na calçada da TV Globo esperando para pedir autógrafos aos artistas de "Vale tudo", que gravaram ontem mesmo as cenas nas quais foi revelado o assassino de Odete Roitman. Por volta de meio-dia, quando no estúdio as gravações já estavam pelo meio, era grande a expectativa dos fãs que aguardavam do lado de fora. Não para descobrir quem matou ou deixou de matar a vilã, mas para saber quem ia sair primeiro e assinar os caderninhos, bloquinhos e as tantas folhas soltas, além de posar para as fotos do álbum de recordações. Para os artistas, que chegaram às 8h e só começaram a sair depois das 14h, o clima no estúdio foi um pouco tenso, mas sobretudo alegre.

- De certa forma, existe aquela tristeza porque tudo acabou, Mas o clima era quase festivo,, porque no fundo essa gravação de hoje foi o resumo de sete meses de muito prazer - opinou Beatriz Segall, com um grande sorriso e até boa disposição para enfrentar a maratona de autógrafos a que foi submetida na porta da TV Globo. 

Oito cenas foram gravadas ontem, duas das quais com a participação da vítima. Segundo Ricardo Waddington - um dos diretores da novela - apenas uma das cinco versões escritas foi gravada. Ele contou que a escolha do assassino surgiu de entendimentos entre Gilberto Braga, Dênis Carvalho, Paulo Ubiratan e Daniel Filho. Para Gilberto Braga, foi o final feliz dentro do final feliz, já que a versão escolhida foi justamente aquela que mais o agradava. E não só a ele: Cássia Kiss - que foi lançada pelo GLOBO no dia 23 de dezembro como a provável assassina - garante que o final agradou a todos:

- Sem dúvida, foi o fecho mais coerente. Era o que cabia melhor, entre todos os que foram escritos. Gostei muito e senti um clima de aprovação geral no estúdio.

Entre os tantos fãs que fizeram a festa ontem na calçada da Globo, se destacavam dois paraguaios de Pedro Juan Caballero, na fronteira com o Brasil, que aproveitaram a passagem pelo Rio para conhecer a TV Globo, cujas imagens chegam com perfeição às suas casas. Alfredo Penha, de 30 anos, e sua irmã Margarita Penha, de 31, queriam ser fotografados com algum dos artistas da novela e levar a foto para provar aos amigos que estiveram mesmo aqui. Não tiveram paciência para esperar até a saída de um deles e se contentaram com um artista de outra novela, Lima Duarte (que estava gravando O Salvador da Pátria, substituta de Vale Tudo). Também não acertaram no prognóstico de que seria Marco Aurélio o assassino de Odete.

UMA NOITE DIFERENTE EM VOLTA DA 'TELINHA' NA CIDADE

Quem matou Odete Roitman? Para saber a resposta a essa pergunta, o grande mistério da novela "Vale Tudo" - finalmente resolvido ontem pelos autores, que escolheram a personagem Leila -, houve quem renunciasse até ao jantar de sexta-feira com namorada ou amigos, a julgar pelo pequeno movimento de alguns restaurantes e casas noturnas. O trânsito na Zona Sul se limitou aos táxis e ônibus na hora da novela.

- Nosso movimento de reservas para hoje, para após a novela, aumentou em uns 60 por cento - disse Pepe Posse, um dos proprietários do restaurante Sobre as Ondas, em Copacabana.

Do outro lado da cidade, na Churrascaria Marlene, na Estrada Intendente Magalhães, em Vila Valqueire, houve queda nas reservas para o horário entre 20h e 22h em cerca de 40 por cento, porque, segundo o Gerente Mário Nogueira, os fregueses, ao fazerem reservas, frisavam que não queriam perder a novela.

Mesmo no Bambino D'Oro, em Botafogo, foram sentidos os efeitos do enigma da morte de Odete Roitman na telinha. O Gerente Francisco Paulo Farias contou que cerca de 15 fregueses, ao fazerem reservas, confessaram que se atrasariam para poder ver a solução do mistério.

CONCURSO RECEBE 3 MILHÕES DE CARTAS

SÃO PAULO - Três milhões. Este foi o número de cartas recebidas até ontem pelo concurso "Quem matou Odete Roitman e qual o caldo da Galinha Azul?", promovido pela Nestlé. Hoje, logo após a reprise do último capítulo de "Vale tudo", será sorteado o prêmio de CZ$ 5 milhões para quem apontou o nome de Leila.

O Diretor da Divisão de Leite e Produtos Culinários da Nestlé, Wilber Marques Antunes, disse que a decisão da empresa, através do Caldo Maggi, de patrocinar o concurso foi importante, para assegurar a evidência do seu produto no mercado.

- A proposta do patrocínio do concurso partiu da Rede Globo. A Norton Publicidade soube da intenção e me trouxe o assunto. Imediatamente aceitamos a sugestão. Os resultados não poderiam ser melhores. O público estava ligado no caso Odete Roitman e associamos ao assunto a marca Maggi/Galinha Azul. Na primeira semana de lançamento do concurso recebemos 300 mil cartas. Foi resultado imediato - disse Wilber Marques Antunes.

Ontem, cerca de 800 mil cartas chegaram a Norton Publicidade, que atende à Nestlé, surpreendendo o Diretor da empresa, Walter Pereira. O mais cotado era o mordomo Eugênio, com 24 por cento das cartas, seguido por Marco Aurélio, com 23 por cento, César, com 7,5 por cento, e Leila, que tinha apenas 6,3 por cento.


Por Débora Dummar
7/1/1989
Jornal O Globo

Assista a reportagem do Fantástico para o Último Capítulo de Vale Tudo


sexta-feira, 15 de julho de 2011

ALÉM DA NOVELA - IN MEMORIAN

Assistir uma novela como Vale Tudo traz boas recordações e um ar de extrema nostalgia. As saudades de um tempo que muitas pessoas nem viveram são inevitáveis e para quem viveu também. 23 anos se passaram e dos atores que nos encantaram novamente em nove meses de novela, muitos estão em outras obras como Antônio Fagundes, Regina Duarte, Glória Pires e até Beatriz Segall, depois de um longo recesso, pode ser vista em Lara com Z (Tv Globo, Aguinaldo Silva).

Mas alguns desses personagens que tomaram emprestada a vida de pessoas da vida real já não encontram mais os mesmos. No último capítulo de Vale Tudo no Canal Viva, o blog quer prestar uma homenagem a esses artistas que nos deixaram.


CLÁUDIO CORREA E CASTRO (Bartolomeu) - O velho jornalista ainda se manteve ativo por algum tempo na TV. Segundo o Wikipedia, o ator foi um dos recordistas em telenovelas, tendo participado de mais de 40 obras. Cláudio é lembrado por papéis como o Gugu de A Gata Comeu (Ivani Ribeiro, 1985) e o Anjo Gabriel em Deus nos Acuda (Sílvio de Abreu, 1992). Sua primeira participação na TV foi em 1968 na primeira versão de A Muralha (Ivani Ribeiro, Tv Excelsior). O ator sofria de diabetes e hipertensão, passou por dificuldades financeiras e chegou a morar no Retiro dos Artistas. Mesmo assim, em 2003 fez o excelente Banqueiro Klaus de Chocolate com Pimenta (Walcyr Carrasco, Tv Globo) e sua última participação em telenovelas foi em Senhora do Destino (Aguinaldo Silva, 2004). O ator faleceu em 2005 no Rio de Janeiro após uma cirurgia de colocação de ponte de safena.

FÁBIO JUNQUEIRA - Aparece só no início da novela como um pretendente de Leila (Cássia Kiss). O ator paulista, faleceu em 2008 aos 52 anos vítima de um edema cerebral. Fábio era pai do também ator Caio Junqueira e padastro de Jonas Torres que atualmente pode ser visto em Armação Ilimitada e mais velho em VAMP. O ator participou de 23 novelas e seu último trabalho foi em Escrava Isaura (Tiago Santiago, 2004).

FERNANDO ALMEIDA (Gildo) - Sua primeira aparição na TV foi na novela Olhai os Lírios do Campo (Geraldo Vietri, 1980), mas é muito lembrado também pelo Gibi, personagem da novela Livre Para Voar (Walter Negrão, 1984). Participou de 14 novelas, todas pela Rede Globo. Em 2004, foi brutalmente assassinado num ponto de ônibus do bairro Realengo no Rio de Janeiro. O ator teria se desentendido com outras pessoas num baile funk. Sua última participação na TV foi na novela A Padroeira (Walcyr Carrasco, 2001)

IVAN DE ALBUQUERQUE (S. Laudelino) - Importante diretor de teatro brasileiro. Fundou no Rio de Janeiro ao lado de Rubens Correa, o Teatro do Rio (Atual Cacilda Becker). Foi ao lado do parceiro profissional que construiu o Teatro Ipanema no local onde ficava o quintal da antiga residência de Rubens. Nos anos 60 trabalhou como ator no Teatro Oficina sob a batuta de José Celso Martinez Correa. Em suas mãos José Wilker e José de Abreu iniciaram a carreira. O crítico de teatro Yan Michalsky declarou certa vez: Um dos mais completos encenadores brasileiros (…), Ivan de Albuquerque também é um dos que conseguem equilibrar harmoniosamente um artesanato sólido e seguro e uma aguda capacidade de análise de textos com uma generosa abertura para linguagens novas e experimentais.
Faleceu em 2001, aos 69 anos, vítima de câncer no intestino. Sua última participação na TV foi em Zazá (Lauro César Muniz, Tv Globo, 1997)

LOURDES MAYER (D. Pequenina) - Irmã de Zilka Salaberry. Foi atriz, radialista e dubladora. Chamada pelos amigos de Anjo Bom, Lourdes foi estrela da era de ouro do radioteatro, na década de 50. Chefiou o setor de elenco da Tv Educativa. Faleceu em 1998 em decorrência de um efisema pulmonar. Sua última participação na Tv foi em Xica da Silva (Walcyr Carrasco, Tv Manchete, 1996)



PAULO PORTO (Queiroz) - O dono da revista Tomorrow era mineiro de Muriaé. Trabalhou como diretor, roteirista e produtor, foi um dos atores pioneiros do rádio e da televisão. Protagonizou Toda Nudez Será Castigada e O Casamento, da obra de Nelson Rodrigues sob direção de Arnaldo Jabor. Faleceu em 1999, aos 82 anos.



LEONOR BASSÈRES - Escritora de literatura infanto-juvenil, jornalista, crítica literária. Sua parceria com Gilberto Braga começou em 1980 quando foi convidada pelo novelista para transformar em livro a telenovela Água Viva. Depois deste trabalho, voltaram a trabalhar juntos em 1988 com Vale Tudo. A parceria durou por mais cinco novelas e só acabou quando a escritora faleceu em 2003 vítima de câncer no pulmão. Leonor continuou trabalhando em Celebridade mesmo em tratamento e desapareceu antes do fim da novela. A escritora ainda teve uma novela de sua autoria em 1990, Mico Preto e foi co-autora de Ricardo Linhares em Meu Bem Querer (1998).

ZENI PEREIRA (Maria José / Zezé) - A baiana de Salvador é muito lembrada por sua personagem Januária de A Escrava Isaura (Gilberto Braga, 1976). O que poucos sabem é que a grande atriz foi a primeira Tia Nastácia do Sítio do Picapau Amarelo, em 1952, pela Tv Tupi. Zeni ficou renegada a papéis de empregada e escrava nas telenovelas. Sua última participação na TV foi em Pátria Minha (Gilberto Braga, 1993). Faleceu em 2002, no Rio de Janeiro.



ZILKA SALABERRY (Rute) - Grande atriz de telenovelas brasileiras. Obteve grande destaque por sua Sinhana em Irmãos Coragem (Janete Clair, 1972), Donana Medrado, em O Bem-Amado (Dias Gomes) e a Dona Benta do Sítio  do Picapau Amarelo. Depois de uma participação num pequeno papel no Teatro Municipal de Niterói se encantou pela profissão e foi parar na companhia de Procópio Ferreira e depois fez parte da companhia de Dulcina de Morais. Foi a primeira atriz a tirar a roupa numa peça de teatro em 1950. Sua última participação na Tv foi na novela Esperança (Benedito Ruy Barbosa, 2002). Faleceu em 2005.


Por Jean Cândido Brasileiro

quinta-feira, 14 de julho de 2011

ALÉM DA NOVELA - VALE TUDO O FINAL


A reprise de Vale Tudo se aproxima de seu desfecho, após nove meses de exibição pelo Canal Viva. Pela primeira vez, desde sua estréia em 1988, o espectador pôde conferir a trama na íntegra, com todas as suas vinhetas, efeitos e cenas dos próximos capítutos. O surpreendente e inesperado sucesso de crítica e audiência veio para confirmar o que já se sabia: Vale Tudo é uma trama que representa a alma do brasileiro de uma maneira bastante única e, mesmo  após duas décadas, ainda gera uma forte identificação com o público como nenhuma outra novela fez. O que se espera de um folhetim é sempre uma receita fugaz: ele vem para ditar modismos no período de sua exibição e rapidamente cair no esquecimento após o seu término. Em contrapartida, há o efeito inverso de Vale Tudo na memória televisa: a novela cresceu com o tempo, alcançou um status de clássico, e muitos de seus personagens se tornaram icônicos.

Acredito que o texto de Vale Tudo se tornou representativo não apenas pelo tão falado realismo e a tão comentada crítica social presente em seus diálogos; mas muito também pela construção ambígua de seus personagens. Tomando a amoral Maria de Fátima (Glória Pires) como exemplo,  os autores se preocupam em inserir detalhes aparentemente pequenos que demonstram, ao menos para o espectador mais atento, a sua improvável humanidade. Quando Raquel (Regina Duarte) finalmente encontra a filha fugitiva no apartamento de César (Carlos Alberto Ricceli), Fátima humilha a mãe, a agride fisicamente, a manda retornar para Foz do Iguaçu, e  logo depois entra em um táxi. Dentro do carro, em um choro contido, pede para o taxista parar um pouco e olha para trás em um tom de lamentação. De forma semelhante, após finalmente conseguir separar sua mãe de Ivan (Antônio Fagundes), Fátima não consegue conter o seu sofrimento, estampado em seu rosto em uma bela e brevíssima cena, ao se despedir da mãe e vê-la se mudar para Búzios.

Sutilezas desse tipo surgem nos diversos personagens que polarizam a famosa dicotomia entre o bem e o mal, tornando difícil rotulá-los, por mais que sabemos claramente quem representa cada lado da discussão. Raquel é a grande defensora da honestidade e da integridade; mas não hesita em se tornar amante de um homem casado. Em contrapartida, Odete é uma megera dura e inabalável, mas chora copiosamente ao olhar um retrato de família na casa de Celina, após ser “convidada” a se mudar. De forma semelhante, é difícil não se ver divido por muitas das colocações dos vilões da trama. Recentemente, Fátima dirigiu a seguinte pergunta a sua mãe: “Se esses valores da classe média estivessem certos, você não acha que haveria menos injustiça no mundo”? É o tipo de frase que dificulta responder a perguntar inicial proposta pelos autores de Vale Tudo: “Vale a pena ser honesto no Brasil?”. Afinal, em um gesto de bastante ousadia, a novela não se propõe a facilmente convencer o espectador sobre a supremacia da honestidade, mas problematizar essa questão o máximo possível. E o desfecho claramente demonstra o contrário: a impunidade, a lógica do colarinho branco e o rigor da lei para os mais pobres são fatos irrefutáveis da estrutura social brasileira.

Talvez por esse comprometimento com a dureza da realidade e com a corrupção moral que habita cada um de nós, Vale Tudo permance viva, gerando comentários, ganhando novos admiradores e até conquistando uma nova geração de espectadores. E o Brasil vai continuar, pelo visto por muito tempo, a mostrar a sua cara.


 Por Bruno Machado

quarta-feira, 13 de julho de 2011

ALÉM DA NOVELA - EM NOME DA COINCIDÊNCIA

Sem parentesco com Odete, os Roitman de carne e osso acabam pagando pelas armações da vilã

Entre 13 e 14 milhões de pessoas assistiram ao penúltimo capítulo da novela "Vale tudo" somente nos Estados do Rio e São Paulo, de acordo com a pesquisa do Ibope, às 21h - ou seja, na primeira meia hora. No Rio, isso significa 89 por cento dos aparelhos existentes, o que equivale a uma população de cerca de cinco milhões e 400 mil pessoas. Nesta última semana, os cariocas não deixaram o pique de audiência sair da casa dos 80 por cento. E um número muito alto, mesmo sendo para final de novela - quando, normalmente, a audiência cresce. Os 86 pontos de São Paulo correspondem a sete milhões e 800 mil pessoas. Em ambos os Estados, esses são os maiores índices já registrados.

Pior do que a chateação sofrida por atores e autores de "Vale tudo", importunados diariamente com a pergunta "Quem matou Odete Roitman?", foi o aborrecimento de quem "pagou o pato" sem ter absolutamente nada com isso. No caso, a maioria dos Roitman que constam na lista telefônica do Rio - 19 ao todo, muitos da mesma família - e que tiveram seus telefones descobertos por curiosos desde o início da novela. Houve de tudo, desde pessoas que insistiam em saber o paradeiro de Maria de Fátima, ou o nome do assassino da "dona da casa", até quem dissesse ser funcionário de uma companhia aérea, com um recado urgente para a "dona da TCA". Além do telefone, a simples tarefa de assinar um cheque ou fazer compras com cartão de crédito tornou-se um tormento para os Roitman da vida real. Para os descendentes mais jovens da família, a hora da chamada nos colégios era inevitavelmente acompanhada de gracejos dos colegas.

Alguns se aborreceram de verdade e pensaram seriamente em processar os responsáveis pelo uso do nome, embora os autores da novela afirmem veementemente que não houve intenção em prejudicar alguém. Nem sabiam se o sobrenome existia de fato ou não. Outros, porém, curtiram o estrelato súbito provocado pelo nome mais pronunciado do País nos últimos meses e encararam a situação com muito bom humor, como Sílvia Roitman.

Fiquei famosa de repente. Tem loja que já me conhece e eu nem preciso apresentar documento. Já nem ligo para as brincadeiras, mas acho que tem gente que confunde a realidade e a ficção e insiste em dizer que eu tenho que saber quem matou a Odete Roitman. Já recebi, inclusive, os pêsames de muitas pessoas. E de verdade.

O marido de Sílvia, o engenheiro Marcos Roitman, também já não liga para as abordagens feitas pelas pessoas que recebem seus cheques:

As piadinhas sempre surgem e perguntam se eu sou parente da Odete. Teve um dia em que me perguntaram três vezes quem era o assassino.

Uma outra Roitman, Vera, não agüenta mais ouvir falar em novelas ou assassinos. Não coloca mais o número de seu telefone nos versos dos cheques e, quando precisa telefonar, já espera ouvir gargalhadas do outro lado da linha quando se identifica como Roitman. Para azar seu, Vera também é pintora e, claro, não demorou muito tempo para que as comparações com a Heleninha Roitman da novela começassem.


- Ainda bem que eu não tenho nenhuma exposição aqui no Rio, senão ia ser um caos. Todo mundo diz "suas telas estão na TV, hein?..." e eu tenho que rir, não tem jeito. Ai, meu Deus, não sei porque escolheram logo o meu nome - desabafa.

Vera diz que às vezes briga e outras brinca com quem lhe incomoda, e duvida que as piadas parem imediatamente, agora que a novela terminou. Recusa a fama que porventura o famoso nome lhe dê, e afirma: "prefiro o meu próprio estrelato". A pintora conta que um primo, o médico Isaac Roitman - um dos muitos que constam na lista telefônica - ficou "meio grilado" com toda a confusão causada pela novela e chegou a pensar em processar alguém.

Luciana Roitman, de 17 anos, sobrinha do médico, também confirma o estado de espírito nada alentador em que ficou Isaac. "Ele está furioso, acho melhor nem tentar falar com ele", aconselhou. Luciana, que tem o nome na lista telefônica, é outra das vítimas do sucesso de Odete Roitman.

- Aqui em casa chegam a ligar até às três horas da manhã, perguntando quem matou a Odete ou querendo saber da Maria de Fátima. Muitas vezes minha mãe tira o fone do gancho para não incomodar o meu irmão Daniel (que ainda não tem dois anos) quando ele dorme - reclama Luciana.

Dona Guiomar, a mãe de Luciana, está feliz pelo fim da novela, da qual gosta e assiste sempre. Ultimamente, porém, ela deixou de acompanhar alguns capítulos "só de raiva", como diz.

Outro dia me ligou um homem à noite, que se identificou como um detetive, dizendo que a Luciana estava na delegacia depondo no caso do assassinato de Odete Roitman. Eu fiquei preocupada porque, apesar de saber que era brincadeira, minha filha não estava em casa - conta ela.

No colégio, Luciana presenciou pelo menos uma cena engraçada, onde um professor de História, sem saber o seu nome completo, comentava a novela e declarava enfático que, com um sobrenome daqueles, "empolado e prepotente, a Odete só poderia ser aquilo mesmo". Avisado de que havia uma Roitman na sala, só restou ao professor um sorriso meio amarelo.

Também o estudante Othon Roitman, de 17 anos, teve que suportar as brincadeiras na escola, além das ligações para a sua casa, onde pediam que chamasse a sua mãe - não a verdadeira, Berenice, mas a Odete. Seu pai, bem-humorado, dizia brincando que iria cobrar da TV Globo os direitos autorais pelo uso do nome.

Eu achei o maior barato a coincidência. Imagina, ser parente da mulher milionária. Se eu fosse mesmo o filho dela, herdaria toda aquela fortuna - suspira Othon.

Coincidência mesmo, dessas que ninguém, nem a própria pessoa acredita, aconteceu com Rita Roitman. Ao sobrenome agora quase maldito, ela tem unido o seu nome de solteira, nada mais nada menos do que o Segall, igual ao da atriz (Beatriz) que interpretou a vilã Odete na novela.

Rita Segall Roitman diz que seu filho, Ari, que é psicólogo, tentou analisar a coincidência da junção dos dois nomes em uma só pessoa. Para completar, algumas cenas iniciais de "Vale tudo" foram gravadas no prédio onde ele mora.

- Todo mundo se espanta com isso. Quando estou em um consultório médico e a enfermeira me chama pelo nome completo, já me acostumei às manifestações de espanto das outras pessoas. E raro o dia que não comentam nada, principalmente quando estou preenchendo cheques. Na verdade, nem eu sei como isso aconteceu. E realmente muita coincidência - completa Rita.

Jornal O Globo
Por Mànya Millen
7/1/1989

terça-feira, 12 de julho de 2011

ALÉM DA NOVELA - ESTRELA GLORIOSA

ESTRELA GLORIOSA


Nos primeiros dias de maio, quando a Rede Globo anunciou a estréia da novela Vale Tudo no horário das 8, acenou aos telespectadores com uma trama realista, movimentada e que tinha como principal característica um alentado naipe de vilões como personagens principais em vez dos heróis românticos que costumam rechear o horário. Passado um  mês da estréia, a promessa se cumpriu – a novela, até agora, mostrou-se ágil e cativante, mas o maior trunfo não é o enredo ou o perfil dos personagens. O que há de melhor em Vale Tudo é a atuação de uma atriz que, embora exibisse talento em novelas anteriores, vem se surpreendendo a cada novo trabalho que faz na televisão. A atriz é Glória Pires, uma carioca de 24 anos, atualmente lembrada como a cruel, mentirosa e salafrária Fátima, personagem capaz de roubar as economias da própria mãe ou furtar o namorado da melhor amiga em troca de ascensão social como modelo fotográfico.


A Fátima criada pela atriz é uma rainha do mal sem majestade – assim como Glória Pires é a soberana sem pompas entre as atrizes de televisão. A atriz não incorpora ao personagem nenhum dos estereótipos dos vilões das telenovelas – não faz cara de malvada, gestos de bruxa, nem dá risadas sinistras -  e assim mesmo consegue passar toda a vilania que a história lhe atribui. Ao gravar os primeiros capítulos de Vale Tudo, Glória teve medo de que, após a estréia, fosse alvo de agressões nas ruas, como é de hábito com atrizes que desempenham papéis de mulheres más. Tal não aconteceu e pode-se apostar que não acontecerá -  a atriz dá a seu personagem uma gama tão vasta de nuances que faz com que se enxergue muito mais que um  simples escroque. Fátima é às vezes uma jovem comum, bonita e com aspirações típicas de sua idade, a quem se pode até perdoar fraquezas morais. Em outros momentos, ela parece ser vítima das pessoas e das circunstâncias. Mesmo levando a cabo seus planos escusos. Fátima deixa a entender, às vezes, com um olhar ou um gesto, que no fundo não aprecia o que faz. Para compor um personagem tão complexo, é preciso mais que um bom roteiro ou diálogos bem construídos: é preciso uma atriz de muito talento.

MACETES – A atuação excepcional de Glória Pires em Vale Tudo não é apenas uma vitória pessoal da atriz. Ela traz em seu bojo a confirmação de que hoje, por mais que o contestem ou tradicionalistas da arte dramática, existe um novo tipo de ator, que deve ser visto e avaliado por critérios próprios – o ator de televisão. Em seus dezesseis anos  de carreira, Glória, à exceção de uma rápida passagem por uma peça infantil em 1979 – em que não chegou a terminar a temporada -, nunca pisou num palco teatral e nem pretende fazê-lo tão cedo. “Eu praticamente nasci na televisão, conheço os seus mecanismos e macetes e descobri que ela tem uma linguagem própria”, ela diz. É justamente nessa nova raça, a dos atores de TV, e não no universo amplo da milenar arte teatral de se representar, que Glória afirma o seu grande talento.

Atuar em teatro, em cinema e em televisão não representa três faces de um mesmo cubo. O palco, cede o ator está em total intimidade com o espectador, exige voz alta, gestos largos – capaz de serem ouvidos e vistos na última fila da platéia – e uma interpretação em que se programa e se mexe todos os músculos do corpo e que não admite erros, pois não se pode repetir a cena. O cinema – no qual Glória já fez quatro incursões, entre elas a do flme Memórias do Cárcere, de Nelson Pereira dos Santos – possibilita uma ampla gama de truques, mas a tela grande onde é reproduzido e o olho mecânico da câmara exigem que o ator esteja a cada detalhe de seu corpo e de sua atuação. A televisão se guia por critérios diferentes – a tela é pequena, e o espectador tem domínio sobre ela; a imagem apresenta uma certa frieza em relação à imagem do cinema, uma desvantagem que deve ser compensada pelo impacto do que é apresentado; e o recurso do close, ou aproximação máxima de imagens, é amplamente utilizado. Na televisão, o ator entra na sala do espectador. Nela não há a cerimônia de se ir ao teatro ou ao cinema: o ator está ali, num eletrodoméstico em meio à intimidade do lar.

OFÍCIO – É justamente o aprendizado desse mecanismo da televisão que possibilitou a Glória Pires multiplicar seu talento ao longo das onze novelas, além de várias minisséries e especiais, de que já participou. Como Jack Nicholson no cinema, ela parece saber exatamente o ângulo e a aproximação com que a câmera a enfoca, e sabe tirar o melhor proveito disso. Quando Fátima mente a amigos e conhecidos  sobre seus antecedentes, por exemplo, dizendo-se de família rica quando na verdade tem origens modestas, Glória sabe como fazer seu personagem representar um segundo personagem sem em nenhum momento se tornar caricata. Glória subitamente se arma dos olhares, sorrisos e gestos certos, sempre sóbrios, e lá está Fátima representando o que gostaria de ser.

É possível que, num palco de teatro, Glória não demonstre a mesma competência do que no vídeo. Acusá-la de má atriz por isso, no entanto, seria exigir dela que conhecesse um ofício ao qual não se dedica. Fátima se recusou a ir ao enterro do próprio pai, o pianista de boates Rubinho (Daniel Filho) – fulminado por um enfarte no capítulo de quinta-feira passada - , apenas para manter diante dos amigos a farsa de que é filha de um músico famoso de Hollywood. Se fosse mostrada num palco, a cena certamente perderia parte da alta tensão dramática que a ela foi conferida pelos recursos da televisão. A verdade é que achar que o teatro é a única escola que forma bons atores não passa de um tolo preconceito. Preconceito contra os atores que fazem sucesso na TV, e também preconceito em relação à popularidade, ao imenso público que acompanha novelas. Existe, funcionando a pleno vigor, a escola da televisão, e só se pode elogiar Glória Pires por tê-la cursado com aplicação, ao invés de se dividir entre a TV e o palco, e talvez, não brilha em qualquer dos dois.

ANIMAL INTUITIVO – “Glória é uma das poucas atrizes que me arrepia, ela é um animal intuitivo que consegue transmitir tudo nos olhos”, diz Denis Carvalho, que divide com Ricardo Waddington a direção de Vale Tudo. Essa intuição também é louvada por Regina Duarte, que na novela interpreta Raquel, a mãe de Fátima. “Ela é uma atriz com a emoção à flor da pele”, diz Regina. Raquel é o extremo oposto de Fátima – uma mulher que luta para levar a vida para frente de maneira honesta e que se revolta com as mentiras e falcatruas da filha e dos demais vilões da novela. Regina Duarte, que já foi a “namoradinha do Brasil” em dramalhões de romantismo seríssimo e exacerbado que a TV mostrava nos anos 70, foi também uma das primeiras atrizes a mostrar que o gênero oposto também atrai os espectadores – ao encarnar a escrachada viúva Porcina em Roque Santeiro, uma novela de tipos estereotipados e alegóricos, e sem nenhuma seriedade.

Regina Duarte tem um bom desempenho em Vale Tudo, mas em algumas cenas, em que procura enfatizar seu desespero com a filha ou seu entusiasmo pela vida, tende a repetir os trejeitos da viúva Porcina, de Roque Santeiro, o que se torna inadequado numa novela de tons realistas. Caso sua personagem se desenvolva para o de uma brava e destemida mulher do povo, a exemplo dos papéis representados por Anna Magnani e Sophia Loren no cinema italiano, ela pode dar à novela um tom caricato inadequado. Regina, também uma atriz de televisão por excelência, tem entabulado com Glória Pires verdadeiros duelos de eficiência na linguagem televisiva. Há duas semanas, seu desempenho entusiasmou o diretor-presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, que enviou a Regina um buquê de flores com um cartão elogioso dizendo que a cena que ela apresentou poderia ser mostrada em qualquer palco do mundo.

VÍCIO E VIRTUDE – Com uma experiência bem menor que a de Regina Duarte, Glória Pires dispara na frente da geração de atores formados pela televisão a partir do final dos anos 70. Lídia Brondi, que faz parte desse grupo e que em Vale Tudo encarna a produtora de fotografia Solange – ela divide um apartamento com Fátima, que está prestes a lhe roubar o namorado, Afonso (Cássio Gabus Mendes) – , reconhece a escalada de Glória: “Trabalhar com Glória é muito fácil porque ela joga e segura a bola nas horas certas”. Outros atores do elenco da novela também não poupam elogios. Antônio Fagundes, que vive Ivan, administrador de empresas desempregado que trabalha como operador de Telex e que é apaixonado por Raquel, praticamente viu Glória estrear na televisão: “Quando contracenamos em Dancin’ Days, em 1978, ela era praticamente uma criança, hoje virou uma atriz que com poucos gestos consegue dar o tom certo ao personagem”.

O bom resultado que Vale Tudo obteve até agora deve-se em grande parte ao caráter complexo dos personagens criados pelos autores Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basséres. Os personagens não são apenas ricos ou pobres, bons ou maus – cada um deles, como convém a uma obra realista, guarda um emaranhado de características com o que se surpreende o espectador. Fátima é a encarnação do mal, Raquel a virtude personificada, mas entre esses extremos há personagens que vivem na corda bamba entre a virtude e o vício, entre a verdade e a mentira, entre a honestidade e a corrupção.
(...)

A própria Glória Pìres é a primeira a vibrar com sua personagem em Vale Tudo e com as possibilidades que ela abre em sua carreira. Pela primeira vez vejo um autor criar um personagem mau e mostrar tão a fundo o seu lado humano, avalia. 

Trecho de matéria publicada
na Revista Veja em 1988

segunda-feira, 20 de junho de 2011

ALÉM DA NOVELA - A MALVADA QUE ROUBOU A CENA

Beatriz Segall despede-se de Odete Roitman brilhando muito mais que a namoradinha do Brasil

A onipotência eletrônica está com seus dias contados: a milionária Odete Roitman, capaz realmente de tudo, vai morrer assassinada com três tiros na próxima sexta-feira. Vai ser o presente de Natal dos novelistas Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères (cada um é responsável por um dos tiros) para os milhões de espectadores que, há oito meses, vêm transformando a telenovela Vale Tudo, atração das noites de segunda a sábado na Rede Globo, no programa de maior audiência do país. Odete é tão má, mas tão má que em seus últimos dias não tem recebido a indulgência nem mesmo de sua criadora, a atriz Beatriz Segall. "Ela é uma grossa", dispara a atriz de 55 anos, a primeira a destruir o mito da burguesa refinada e malvada de seu personagem. Nora do requintado pintor Lazar Segall — ela estudou na Europa e utiliza um português no qual não cabem gírias —, Beatriz sabe muito bem que Odete nunca teve berço, mas um "vernizinho" superficial. "Ela é artificial em tudo, até na distinção. A começar pelos namorados. Escolhe a dedo os gigolôs de pior nível possível." A atriz, porém, não considera Odete Roitman o cúmulo da atrocidade."Ela é fichinha perto dos empresários e políticos da vida real." Beatriz imagina até quais seriam os amigos de Odete se esta existisse de verdade: Paulo Maluf, o ministro Antônio Carlos Magalhães, os empresários Mário Garnero e Mathias Machline e os latifundiários da UDR. "Ela seria amiga também daquele português, o José Lourenço (deputado do PFL), mas nunca o convidaria para jantar em sua casa."

Mas o que deu em Beatriz para criticar a personagem que mais fascina, no momento, o Brasil? Ficou esnobe como Odete Roitman? Jamais. Beatriz é petista desde a fundação do Partido dos Trabalhadores, amargou duras penas quando o ex-marido, o economista Maurício Segall, foi preso e torturado pela ditadura militar e pode ser encontrada num pé sujo tomando um cafezinho — três situações impensáveis na vida de Odete.

Sua modéstia não a deixa admitir que é uma leitora sofisticadíssima, de autores conhecidos apenas por dois ou três brasileiros eruditos. "Ai, meu Deus, só porque falei uma vez em Alejo Carpentier, o maior escritor, para mim, da América Latina, vão me chamar de intelectual? Por favor, me ajude a destruir este rótulo. Gosto de Thomas Mann, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Balzac, ou seja, os clássicos." Um de seus irmãos — é assim que ela se refere aos amigos do peito —, o autor teatral Flávio Marinho, sabe, no entanto, que a amiga devora turminhas de poetas e romancistas desconhecidos de séculos e séculos atrás. "Não, não. O que sou é uma leitora compulsiva. Nos jornais, por exemplo, leio os artigos de quem concorda comigo. Gosto, portanto, de Fernando Pedreira, de Moacyr Werneck de Castro, de Jânio de Freitas, de Ricardo Noblat e, até há pouco, dos artigos de Hélio Pellegrino."

Beatriz vive entre o casarão que foi do sogro Lazar Segall, no bairro paulista de Vila Mariana (ao lado do Museu Lazar Segall), e a cobertura no 14° andar de um edifício da Rua Barão da Torre, na carioca Ipanema. "A construtora deve ter feito uma mutreta para construir um prédio tão alto aqui", diz na varanda com vista para a praia e para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Nega até o hábito de freqüentar restaurantes requintados. "Nem vou a estes lugares. Gosto é de comida de qualidade."

Ela se considera preguiçosa e comodista. Mas assim que terminarem as gravações da novela, vai começar os ensaios de Lilian, uma peça sobre a escritora americana Lilian Hellman que estréia em março no Teatro Cândido Mendes, sob a direção de José Possi Neto. E encontra apenas dois pontos de identidade com Odete Roitman: a paixão por Paris e o horror à falta de educação do brasileiro que desrespeita o trânsito ou fala alto em restaurantes.

Por incrível que pareça, Beatriz Segall, mãe, como Odete, de três filhos — o cineasta Sérgio Toledo, 32 anos; o artista plástico Paulo, 24, e o arquiteto Mário, de 29, que mora em Londres com o único netinho Pedro —, define a personagem da novela como uma mãe dedicada e bastante preocupada com os filhos. "Não digo que ela seja boa, mas ela se preocupa muito com Afonso (Cássio Gabus Mendes) e com Heleninha (Renata Sorrah). A psicanálise criou este mito de que a mãe é responsável pelo que os filhos são. E a individualidade deles? Por que Afonso se deixa esmagar e Heleninha foge para o álcool? Ora, se a mãe é prepotente, eles que saiam de casa." Beatriz comenta que seus três filhos, por exemplo, jamais permitiriam que ela fosse prepotente. "Eu tenho três pais. Dou sempre satisfação aos três." Na busca de possíveis identificações entre Odete e Beatriz, os filhos Sérgio e Paulo não vêem mais do que dois pontos em comum. Um deles está no campo da tomada de decisões: as duas não vacilam. "Claro que a Odete opta sempre pelo mal; ao contrário da nossa mãe", disse Sérgio ao repórter Apoenan Rodrigues da sucursal paulista do JORNAL DO BRASIL. "Aliás, caráter é o que não falta a ela", endossou Paulo. O outro terreno de perfeita identificação é o gosto pelo lado prazeroso da vida. "Mamãe gosta de cozinhar, de viajar", lembrou Paulo. "E, principalmente, é muito vaidosa", completou Sérgio.

O público não tem se importado com as maldades de Odete, porque, segundo Beatriz, está fascinado por sua onipotência. "Maria de Fátima (Glória Pires) é também vilã, mas apenas sonha com o poder. Odete chegou lá. As pessoas querem ser Odete Roitman, embora se revoltem com suas atrocidades."

Será que é por isso que, ao contrário do que se pensa que acontece com atores que interpretam vilões na TV, Beatriz só recebe sorrisos e elogios nas ruas? "Não acredito que um ator tenha levado guardachuvada na rua por causa de um personagem". "Antigamente, o ator se vangloriava disso, porque a confusão do público traduzia um trabalho convincente. Discordo. Hoje o público sabe muito bem separar o ator do personagem. Quando me chamam de Odete na rua, por exemplo, nem dou ouvidos. Só atendo por Beatriz." A única vez em que a atriz ouviu um desaforo foi quando interpretava a também refinada e malvada Lourdes Mesquita, de Água Viva. "Eu contava para uma amiga justamente que não sofria hostilidades quando um vendedor de bilhetes de loteria gritou que quem fazia papel de má era má mesmo. Ele me chamou de peste e fiquei com a cara no chão."

Para Beatriz, ainda há outra explicação para a boa reação do público. Num país de "corruptos sem ética, da lei do Gérson, da corrida atrás do poder para uso em proveito próprio, do jeitinho brasileiro", o vilão virou um anti-herói. A transformação não poderia passar despercebida pelo mercado publicitário. Já vai longe o tempo em que o ator José Lewgoy perdeu um contrato para estrelar um comercial de TV ao ser descoberto que era ele o assassino de Miguel Fragonard em Água Viva. Odete está nas rádios vendendo uma revista de lojas comerciais e já recusou dois anúncios para TV. "Um era de um produto que não gostei. Outro era de bebida. E cigarro e bebida não anuncio. Nem me deixo fotografar fumando ou bebendo. É claro que tomo o meu uisquinho, mas não faço proselitismo", diz Beatriz.

Basta dizer que a Caixa Econômica Federal contratou a ladra maior do país, Maria de Fátima, na pele de Glória Pires, para anunciar sua extração lotérica de Natal. Os autores da idéia, o diretor de criação da agência MPM, Fábio Siqueira, e os publicitários Adeir Rampazo e Wanderley Doro, descobriram o carisma da vilã numa pesquisa que elogia Glória Pires como a atriz mais popular do momento. "Eu pensei que depois de Roque Santeiro nunca mais uma novela mobilizaria tanto o país. Mas Vale Tudo é um marco", diz Fábio. Glória Pires tampouco é agredida pelo público por suas maldades. "O público evoluiu. Eu estava em Goiânia esta semana, quando um sapateiro bem humilde me disse que não tinha raiva da Fátima porque era tudo novela", conta Glória. O publicitário Washington Olivetto concorda com a tese de Beatriz Segall de que, num país de tantos vilões, estes se transformam em anti-heróis. "Há ainda os vilões que favorecem uma virada crítica a certos produtos. O produto transforma o bandido em mocinho. E ganha por isso um valor incrível. E o caso da Loteria da Caixa que fez a Maria de Fátima fazer papel de boazinha, ganhar dinheiro honestamente".

Vilã ou não, o sucesso de Odete Roitman deve muito à irrepreensível atuação de Beatriz Segall. A única crítica que se costuma fazer à atriz é a de que sua elegância natural facilita a composição de mulheres burguesas. "O que é fácil, para mim, é interpretar um bom texto", rebate. Um dos bons textos é certamente o de Gilberto Braga, o escritor que levou a atriz de teatro para viver na TV a refinada e malvada Celina de Dancin'Days. A última personagem pobre, brega e baixo astral que Beatriz interpretou foi a mãe de Carmem, na novela Carmen, ano passado, na Rede Manchete. "Foi uma proposta tentadora de renovação da TV, mas quanto ao desenrolar, gostaria de não falar".


Ela não fala também quem matou Odete Roitman. Ricardo Waddington, o diretor da novela, avisa que o assassino só será descoberto no dia da exibição do último capítulo — 6 de janeiro. Beatriz considera a curiosidade "uma morbidez natural de nosso tempo" e se mantém totalmente muda. "Estou à disposição da Globo até para gravar o crime ao vivo, no momento em que o capítulo for ao ar". Resta o consolo de, até lá, conviver diariamente com uma das melhores atrizes do país. Isto já não é mais segredo para ninguém.

AS MALDADES DE ODETE ROITMAN - Durante o tempo em que ficou no ar, Odete Roitman produziu um manual de perversidades. Abaixo, escolhidas pela autora Leonor Bassères, 10 das maiores maldades da personagem:

- Odete envenenou a maionese da empresa de Raquel (Regina Duarte) para prejudicá-la comercialmente sem se importar com a morte de inúmeras pessoas. Ela disse que dois ou três desdentados não fariam falta a ninguém.
- Incriminou a própria filha, Heleninha (Renata Sorrah), por homicídio culposo do irmão Leonardo, quando ela mesma era a responsável pelo acidente de carro que o matou.
- Usou o seu poder de grande anunciante para tentar forçar a demissão de Solange (Lídia Brondi) da revista Tomorrow.
- Forjou um exame de esterilidade para livrar Afonso de uma possível paternidade indesejada.
- Empurrou a vigarista Maria de Fátima (Glória Pires) para um casamento com o filho só para vê-lo morando em Paris.
- Fez um pacto com Maria de Fátima para separar Ivan (Antônio Fagundes) de Raquel.
- Comprou um marido para a filha Heleninha.
- Induziu Ivan a fazer um suborno e chantageou Raquel com ameaça de colocá-lo na cadeia pelo crime.
- Participou de uma negociata eleitoral em Póvoas exigindo 51% das ações do negócio imobiliário que Marco Aurélio (Reginaldo Faria) armou com o candidato a prefeito do lugar.
- Maltrata todos os seus empregados, aos quais se recusa a pagar a URP garantida por lei.

Por Apoenan Rodrigues e Marcia Cezimbra
Jornal do Brasil
18/12/1988

sexta-feira, 17 de junho de 2011

ALÉM DA NOVELA - ESPELHO PARTIDO

Editorial do Jornal do Brasil
18/12/1988

Os vídeos das TVs assumem, esta semana, uma presença compulsiva, com as convulsões finais de uma novela de sucesso. Como de outras vezes, assiste-se a um curioso fenômeno de hipnose coletiva.

À parte o fato de que os folhetins fazem sucesso desde Charles Dickens, vivemos, como se sabe, a civilização da imagem - e esta tende a uma certa superficialidade. O que podia ser um raciocínio ou um conceito transforma-se num flash, que dispensa raciocínios.

A TV é o resultado e o realimentador desta síndrome. O fenômeno foi devidamente identificado na última campanha presidencial norte-americana (para não insistir com o que ocorreu nas últimas eleições brasileiras). Ainda que os candidatos tivessem o desejo de desenvolver alguma idéia, esse impulso era logo contido pelo alcance imediatista do veículo; e da idéia passou-se à ironia, ao ataque pessoal, ao impulso teatral.

No Brasil, esta síndrome sofre a refração de um nível cultural mais baixo. E o comodismo que resulta de um virtual monopólio pode puxar as coisas ainda mais para baixo.

Chega-se assim a um "enredo-padrão" no que toca ao nivelamento por baixo da sociedade brasileira. Que a vida brasileira anda perdendo os seus valores, todos sabem. A TV propõe-se simplesmente a espelhar, sem refletir. Mas, como não reflete, ela acaba prolongando o movimento, na ânsia de ser atual. Surge, então, um mostruário humano onde a falta de princípios é transformada em regra - pois os personagens que poderiam produzir o efeito contrário não são retratados com o mesmo poder de convicção. Há quem diga que isto é uma catarse, uma lição de moral pela exposição dos extremos. Mas da mesma forma se poderia dizer que é uma capitulação.

O que há, nisso tudo, de peculiar ao Brasil talvez seja a ausência de alternativas. A televisão poderia ser um veículo entre outros. Suas mazelas poderiam ser isoladas em confronto com outras mensagens. Mas, no Brasil, por inércia, deixou-se que a televisão fosse longe demais, em termos de presença no cotidiano; e, nesse mesmo terreno, deixou-se crescer demais um determinado padrão que é sinônimo de mecanização, de robotização beirando a idiotização.

Talvez tenha a ver com isso a pesquisa que acaba de ser feita para saber que livros marcaram os universitários brasileiros. A lista é um pouco assustadora. Não que Capitães de Areia ou O Pequeno Príncipe sejam maus livros. Fernão Capelo Gaivota pode ser uma fábula simpática. Mas nada disso dá o menor trabalho ao intelecto. É quase tão fácil quanto um seriado de TV.

Neste cenário vazio, a maior vilã está longe de ser a personagem que a novela celebrizou. A maldade em estado puro sempre provoca uma reação. O que não tem remédio é o complô da mediocridade - pois ele assassina o cérebro, as emoções, o Eu que não seja o de superfície.

Na mediocridade das TVs, não está refletida a sociedade brasileira. Trata-se apenas de uma caricatura.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

ALÉM DA NOVELA - QUANDO NÃO HÁ CANÇÃO, É A CANÇÃO DE VALE TUDO


Quem me conhece sabe, sou um noveleiro de plantão. Desde pequeno tive interesse em assistir as tramas exibidas em todas as faixas de horário. Ultimamente, a safra anda muito ruim.  Há pouco tempo, a Veja publicou uma crítica ao realismo que funcionava antigamente em novelas como Vale Tudo e que hoje já não dá mais leite. Será que é o momento de abandonar as fórmulas do realismo e criar tramas fantasiosas como aconteceu em Fera Ferida e Roque Santeiro?

Enquanto os autores não se decidem sobre essa crise noveleira, eu tenho curtido boas horas no Canal Viva e tive a chance de assistir a reprise um dos melhores folhetins de todos os tempos: Vale Tudo. A novela foi ao ar num momento muito crítico para os brasileiros, o país estava em crise econômica e em processo de redemocratização. Obviamente, a trilha-sonora da novela refletia também esse momento, sem deixar de lado os grandes hits internacionais dos anos 80.

A abertura da novela trazia uma das mais inspiradas composições de Cazuza, Brasil, na voz de Gal Costa. Provavelmente quando a novela foi ao ar, em um Brasil que procurava respirar um pouco de democracia, o grito de Gal era sempre um momento de protesto. Hoje o que parece ser apenas um powerpoint mal feito, representava um avanço tecnológico muito grande.

Outra música representativa para o momento em que o país vivia era É do saudoso Gonzaguinha. “A gente não tem cara de panaca/A gente não tem jeito de babaca” diziam os versos da canção, que demonstrava tudo o que sentia uma nação reconstruindo um país. Era como uma resposta de Raquel Accioli, uma brasileira batalhadora, a toda arrogância dos empresários sem escrúpulos como Odete Roitman e Marco Aurélio.

Em contrapartida a tanto protesto, os hits dos anos 80 embalavam as cenas não políticas da novela. Tracy Chapman, que por muito tempo me enganou, porque eu achava que era um homem, começava a cantar Baby Can I Hold You sempre que Raquel e Ivan tinham seus momentos longe das garras de Odete. Cenas nada raras.

A maior vilã de todos os tempos, não poderia deixar sua sofisticação de lado e sua música tema era cantada em francês, Il Faut Savoir em uma interpretação de Charles Aznavour. Sua filha, Heleninha, não deixava por menos e tinha suas cenas embaladas pela italiana Ornella Vanoni cantando Me In Tutto Il Mondo.

Por fim, além de tantas outras, ainda podíamos ouvir George Michael com Father Figure e Sade com Paradise, sempre presentes nas famosas cenas de “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”.

Já está chegando o fim de Vale Tudo no Canal Viva. Vou sentir saudades dessa festa pobre que os homens armaram pra me convencer.

Tiago Vaz