Editorial do Jornal do Brasil
18/12/1988
Os vídeos das TVs assumem, esta semana, uma presença compulsiva, com as convulsões finais de uma novela de sucesso. Como de outras vezes, assiste-se a um curioso fenômeno de hipnose coletiva.
À parte o fato de que os folhetins fazem sucesso desde Charles Dickens, vivemos, como se sabe, a civilização da imagem - e esta tende a uma certa superficialidade. O que podia ser um raciocínio ou um conceito transforma-se num flash, que dispensa raciocínios.
A TV é o resultado e o realimentador desta síndrome. O fenômeno foi devidamente identificado na última campanha presidencial norte-americana (para não insistir com o que ocorreu nas últimas eleições brasileiras). Ainda que os candidatos tivessem o desejo de desenvolver alguma idéia, esse impulso era logo contido pelo alcance imediatista do veículo; e da idéia passou-se à ironia, ao ataque pessoal, ao impulso teatral.
No Brasil, esta síndrome sofre a refração de um nível cultural mais baixo. E o comodismo que resulta de um virtual monopólio pode puxar as coisas ainda mais para baixo.
Chega-se assim a um "enredo-padrão" no que toca ao nivelamento por baixo da sociedade brasileira. Que a vida brasileira anda perdendo os seus valores, todos sabem. A TV propõe-se simplesmente a espelhar, sem refletir. Mas, como não reflete, ela acaba prolongando o movimento, na ânsia de ser atual. Surge, então, um mostruário humano onde a falta de princípios é transformada em regra - pois os personagens que poderiam produzir o efeito contrário não são retratados com o mesmo poder de convicção. Há quem diga que isto é uma catarse, uma lição de moral pela exposição dos extremos. Mas da mesma forma se poderia dizer que é uma capitulação.
O que há, nisso tudo, de peculiar ao Brasil talvez seja a ausência de alternativas. A televisão poderia ser um veículo entre outros. Suas mazelas poderiam ser isoladas em confronto com outras mensagens. Mas, no Brasil, por inércia, deixou-se que a televisão fosse longe demais, em termos de presença no cotidiano; e, nesse mesmo terreno, deixou-se crescer demais um determinado padrão que é sinônimo de mecanização, de robotização beirando a idiotização.
Talvez tenha a ver com isso a pesquisa que acaba de ser feita para saber que livros marcaram os universitários brasileiros. A lista é um pouco assustadora. Não que Capitães de Areia ou O Pequeno Príncipe sejam maus livros. Fernão Capelo Gaivota pode ser uma fábula simpática. Mas nada disso dá o menor trabalho ao intelecto. É quase tão fácil quanto um seriado de TV.
Neste cenário vazio, a maior vilã está longe de ser a personagem que a novela celebrizou. A maldade em estado puro sempre provoca uma reação. O que não tem remédio é o complô da mediocridade - pois ele assassina o cérebro, as emoções, o Eu que não seja o de superfície.
Na mediocridade das TVs, não está refletida a sociedade brasileira. Trata-se apenas de uma caricatura.
Olá, como sempre parabéns pelo trabalho de pesquisa!
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