Sem parentesco com Odete, os Roitman de carne e osso acabam pagando pelas armações da vilã
Entre 13 e 14 milhões de pessoas assistiram ao penúltimo capítulo da novela "Vale tudo" somente nos Estados do Rio e São Paulo, de acordo com a pesquisa do Ibope, às 21h - ou seja, na primeira meia hora. No Rio, isso significa 89 por cento dos aparelhos existentes, o que equivale a uma população de cerca de cinco milhões e 400 mil pessoas. Nesta última semana, os cariocas não deixaram o pique de audiência sair da casa dos 80 por cento. E um número muito alto, mesmo sendo para final de novela - quando, normalmente, a audiência cresce. Os 86 pontos de São Paulo correspondem a sete milhões e 800 mil pessoas. Em ambos os Estados, esses são os maiores índices já registrados.
Pior do que a chateação sofrida por atores e autores de "Vale tudo", importunados diariamente com a pergunta "Quem matou Odete Roitman?", foi o aborrecimento de quem "pagou o pato" sem ter absolutamente nada com isso. No caso, a maioria dos Roitman que constam na lista telefônica do Rio - 19 ao todo, muitos da mesma família - e que tiveram seus telefones descobertos por curiosos desde o início da novela. Houve de tudo, desde pessoas que insistiam em saber o paradeiro de Maria de Fátima, ou o nome do assassino da "dona da casa", até quem dissesse ser funcionário de uma companhia aérea, com um recado urgente para a "dona da TCA". Além do telefone, a simples tarefa de assinar um cheque ou fazer compras com cartão de crédito tornou-se um tormento para os Roitman da vida real. Para os descendentes mais jovens da família, a hora da chamada nos colégios era inevitavelmente acompanhada de gracejos dos colegas.
Alguns se aborreceram de verdade e pensaram seriamente em processar os responsáveis pelo uso do nome, embora os autores da novela afirmem veementemente que não houve intenção em prejudicar alguém. Nem sabiam se o sobrenome existia de fato ou não. Outros, porém, curtiram o estrelato súbito provocado pelo nome mais pronunciado do País nos últimos meses e encararam a situação com muito bom humor, como Sílvia Roitman.
Fiquei famosa de repente. Tem loja que já me conhece e eu nem preciso apresentar documento. Já nem ligo para as brincadeiras, mas acho que tem gente que confunde a realidade e a ficção e insiste em dizer que eu tenho que saber quem matou a Odete Roitman. Já recebi, inclusive, os pêsames de muitas pessoas. E de verdade.
O marido de Sílvia, o engenheiro Marcos Roitman, também já não liga para as abordagens feitas pelas pessoas que recebem seus cheques:
As piadinhas sempre surgem e perguntam se eu sou parente da Odete. Teve um dia em que me perguntaram três vezes quem era o assassino.
Uma outra Roitman, Vera, não agüenta mais ouvir falar em novelas ou assassinos. Não coloca mais o número de seu telefone nos versos dos cheques e, quando precisa telefonar, já espera ouvir gargalhadas do outro lado da linha quando se identifica como Roitman. Para azar seu, Vera também é pintora e, claro, não demorou muito tempo para que as comparações com a Heleninha Roitman da novela começassem.
- Ainda bem que eu não tenho nenhuma exposição aqui no Rio, senão ia ser um caos. Todo mundo diz "suas telas estão na TV, hein?..." e eu tenho que rir, não tem jeito. Ai, meu Deus, não sei porque escolheram logo o meu nome - desabafa.
Vera diz que às vezes briga e outras brinca com quem lhe incomoda, e duvida que as piadas parem imediatamente, agora que a novela terminou. Recusa a fama que porventura o famoso nome lhe dê, e afirma: "prefiro o meu próprio estrelato". A pintora conta que um primo, o médico Isaac Roitman - um dos muitos que constam na lista telefônica - ficou "meio grilado" com toda a confusão causada pela novela e chegou a pensar em processar alguém.
Luciana Roitman, de 17 anos, sobrinha do médico, também confirma o estado de espírito nada alentador em que ficou Isaac. "Ele está furioso, acho melhor nem tentar falar com ele", aconselhou. Luciana, que tem o nome na lista telefônica, é outra das vítimas do sucesso de Odete Roitman.
- Aqui em casa chegam a ligar até às três horas da manhã, perguntando quem matou a Odete ou querendo saber da Maria de Fátima. Muitas vezes minha mãe tira o fone do gancho para não incomodar o meu irmão Daniel (que ainda não tem dois anos) quando ele dorme - reclama Luciana.
Dona Guiomar, a mãe de Luciana, está feliz pelo fim da novela, da qual gosta e assiste sempre. Ultimamente, porém, ela deixou de acompanhar alguns capítulos "só de raiva", como diz.
Outro dia me ligou um homem à noite, que se identificou como um detetive, dizendo que a Luciana estava na delegacia depondo no caso do assassinato de Odete Roitman. Eu fiquei preocupada porque, apesar de saber que era brincadeira, minha filha não estava em casa - conta ela.
No colégio, Luciana presenciou pelo menos uma cena engraçada, onde um professor de História, sem saber o seu nome completo, comentava a novela e declarava enfático que, com um sobrenome daqueles, "empolado e prepotente, a Odete só poderia ser aquilo mesmo". Avisado de que havia uma Roitman na sala, só restou ao professor um sorriso meio amarelo.
Também o estudante Othon Roitman, de 17 anos, teve que suportar as brincadeiras na escola, além das ligações para a sua casa, onde pediam que chamasse a sua mãe - não a verdadeira, Berenice, mas a Odete. Seu pai, bem-humorado, dizia brincando que iria cobrar da TV Globo os direitos autorais pelo uso do nome.
Eu achei o maior barato a coincidência. Imagina, ser parente da mulher milionária. Se eu fosse mesmo o filho dela, herdaria toda aquela fortuna - suspira Othon.
Coincidência mesmo, dessas que ninguém, nem a própria pessoa acredita, aconteceu com Rita Roitman. Ao sobrenome agora quase maldito, ela tem unido o seu nome de solteira, nada mais nada menos do que o Segall, igual ao da atriz (Beatriz) que interpretou a vilã Odete na novela.
Rita Segall Roitman diz que seu filho, Ari, que é psicólogo, tentou analisar a coincidência da junção dos dois nomes em uma só pessoa. Para completar, algumas cenas iniciais de "Vale tudo" foram gravadas no prédio onde ele mora.
- Todo mundo se espanta com isso. Quando estou em um consultório médico e a enfermeira me chama pelo nome completo, já me acostumei às manifestações de espanto das outras pessoas. E raro o dia que não comentam nada, principalmente quando estou preenchendo cheques. Na verdade, nem eu sei como isso aconteceu. E realmente muita coincidência - completa Rita.
Jornal O Globo
Por Mànya Millen
7/1/1989
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