Daqui a poucas horas, os fieis espectadores de "Vale Tudo" deixarão de conviver com um dos principais personagens da novela de maior audiência no Brasil. Odete Roitman, a arrogante proprietária da TCA, será assassinada hoje, com três tiros. E pelo menos cinco milhões de cariocas e sete milhões de paulistas — 80 por cento da audiência — deixarão de lado as últimas providências da ceia de Natal, para acompanhar os últimos lances de sua vida.
Para quem iniciou a trajetória com os tradicionais 50 por cento registrados no horário nobre, a empresária da TCA morre vitoriosa. Em evidência ainda maior que a de sua jovem rival, Maria de Fátima (Glória Pires) — hoje estrela de anúncios da Caixa Econômica Federal —, Odete ainda ontem brilhava nas páginas dos jornais, sorridente e elegante, em reclame do Comitê de Divulgação Institucional do Seguro (Codiseg). E parecia adivinhar o seu próprio futuro: "A gente nunca sabe o dia de amanhã" — anunciava ela.
Nos últimos momentos de sua vida, Odete parece alheia às intenções de seus inimigos. E como gosta de dormir até tarde, provavelmente passará das 11h na cama, enrolada em seus delicados lençóis Calfat.
Só depois de tomar um bom banho e escovar os dentes com a pasta Kolynos, talvez ela saia para fazer as comprinhas de última hora. Mas durante o resto do dia, certamente estará cuidando de seu apartamento em Ipanema, para receber as únicas visitas certas esta noite de Natal: os dois filhos que virão de São Paulo. Antes da ceia, porém, a atriz Beatriz Segall não deixará de ligar a TV para ver o assassinato de Odete Roitman — a vilã que encarnou tão bem nos últimos meses.
Enquanto isso, lá fora, seus inimigos estarão se mexendo. E difícil imaginar o que passa pela cabeça de César (Carlos Alberto Riccelli) Marco Aurélio (Reginaldo Farias) Leila (Cássia Kiss) ou Fátima, nesta véspera de Natal. Eles podem não ter qualquer intenção de usar um revólver contra a empresária, mas o fato é que terão motivos para fugir.
A Rede Globo na noite de quinta-feira, providenciou as gravações dos últimos capítulos de "Vale Tudo", no Aeroporto Santos Dumont. César entregou um punhado de dólares ao piloto de um mal conservado Seneca II, lançou um último olhar tristonho à paisagem carioca e embarcou. Minutos depois, foi a vez de Marco Aurélio e Leila, que levaram Bruno (Danton Mello) a tiracolo. Eles escaparam no jatinho da família — um Learjet —, após as despedidas de Bartolomeu (Cláudio Correa e Castro) e Eunice (Iris Bruzzi). Ao contrário de César, Marco Aurélio não demonstrou qualquer sinal de melancolia, ao deixar o País. Pouco antes de entrar no avião, presenteou brasileiros e brasileiras com uma debochada "banana".
Mas se Odete nem desconfia deste futuro, Beatriz, pelo menos hoje, está a léguas de distância de cenas como estas. Cansada do ritmo acelerado de trabalho e do assédio da imprensa, a atriz tem rejeitado a idéia de fotos e entrevistas sobre sua personagem. Seus amigos, porém, revelaram como será o dia de Madame Segall.
Refinada, ela teve, nos últimos meses, uma idéia típica de Odete Roitman: pensou em passar o Natal em Paris. Mas foi só uma idéia, porque o compromisso com a gravação dos capítulos finais da novela não permitiria viagens neste momento.
Dedicando-se à produção da peçaa "Lilian" — que estrelará no próximo ano — e ainda se preparando para mudar de endereço, Beatriz não tem tido muito tempo disponível. Por isso, é provável que tenha deixado para hoje as compras de Natal.
Andar pelas ruas do Rio não é problema, pois a atriz não costuma ser importunada pelos fãs cariocas. Um adeusinho aqui, um autógrafo ali, e é tudo. Normalmente, ela só teme sair em São Paulo, onde já foi obrigada a desistir das compras num conhecido shopping center, tal a chateação provocada pelos curiosos.
Durante o dia, o apartamento será cuidadosamente preparado para receber os filhos Sérgio Toledo e Paulo Segall — o terceiro filho, Mário Lasar Segall, mora em Londres — e tal vez uns dois ou três amigos, no máximo. Mas no fim do dia. Beatriz com certeza vai interromper suas tarefas; para trancar-se sozinha, e assistir à morte de Odete na TV. A solidão é fundamental, pois a atriz não pretende ser interrompida pelos comentários. É assim que ela gosta de assistir aos capítulos de "Vale tudo".
Morta Odete, Beatriz se juntará aos filhos e amigos e terá uma noite bem agradável, ao som de música clássica e boa conversa. Na mesa, provavelmente os tradicionais peru e presunto, cerveja e vinho francês.
Beatriz certamente fará alguma comemoração. Mas não lhe ocorre brindar à morte de Odete Roitman.
À ESPERA DOS TIROS - Peru, bacalhau e um 'cadáver'
- "No exato momento em que Odete Roitmann for assassinada, estarei voando para Aruba, nas Antilhas. Vou passar o Natal e o Ano Novo por lá. Mas também estou muito curioso para ver a morte desta supervilã. Vou deixar o videocassete programado para gravar o capítulo e ver tudo quando chegar de viagem, no dia 3 de janeiro."
Humberto Saade, empresário.
- "É claro que vou ver a morte dessa desgraçada. Esperei o ano inteiro por isso. Alem do mais, aqui em casa a ceia de Natal é sempre mais tarde mesmo. O máximo que pode acontecer é a gente levar uns bolinhos de bacalhau para a frente da TV. Depois da novela a ceia vai até descer melhor. Vamos comer de alma lavada".
Sueli Giardini, moradora da Penha.
- "Vou passar o Natal em São Paulo, com a minha família. Se verei o capítulo? Acho que sim, mas não posso garantir. Afinal nem sempre da para ver todos os capítulos, não é verdade? Mas acho que vou assistir, sim".
Carlos Alberto Riccelli, o César de "Vale tudo".
- "Bem que tenho vontade de ver o capítulo, mas o pessoal aqui de casa sempre reservou a noite de Natal para colocar as conversas em dia e reunir a família. Afinal, é uma das poucas vezes do ano que todo mundo se reúne. De qualquer forma, talvez eu dê uma ou duas escapadinhas. Se der sorte, pego a Odete morrendo".
Roberta Cardoso, de Copacabana
- "É só isso que você quer saber? Bom, recebi vários convites para passar o Natal na casa de amigos. Mas acho que vou acabar ficando em casa mesmo. Natal para mim é um dia igual aos outros, não costumo comemorar de maneira especial. Se ficar em casa, é quase certo que assista à novela".
Aguinaldo Silva, um dos autores da novela.
- "Entre filhos e netos, mais menos dez pessoas vão passar o Natal aqui em casa. Vou preparar uma ceia gostosa, com bacalhau e arroz de polvo, mas, na hora da novela, vai todo mundo correr para a frente da TV com prato na mão e tudo. Vai ter gente sentada no sofá, em almofadas, no chão, em tudo quanto é lugar. Ninguém quer perder a morte da Odete."
Palmira Tavares, 72, dona de casa da Tijuca.
- "É lógico que vou ver a novela. Editei ontem a cena da morte e, como vou passar o Natal no Rio, minha presença na frente da telinha é garantida. Não ia perder isso de jeito nenhum. Também estou curioso para saber quem matou Odete Roitmann".
Dênis Carvalho, diretor de "Vale tudo".
- "A televisão vai ficar ligada com o som baixo para não atrapalhar conversa. Vários amigos vão passar o Natal aqui em casa e é claro que todo mundo quer ver a novela. Mas como o que interessa mesmo é o assassinato, é só prestar a atenção e aumentar o som na hora certa. Depois que a malvada morrer, a gente desliga a televisão e se dedica exclusivamente à festa".
Marta Carvalho, do Grajau.
- "Não gosto de violência e, por isso, não estou motivado para assistir ao capítulo. Para mim a novela acabou no tapa que a Maria de Fátima levou. A novela foi um sucesso, mas agora já estão querendo esticar. Novela deveria ser igual Pelé e saber quando parar".
Marcelo Madureira, da Casseta Popular.
Jornal O Globo
24/12/1988