quinta-feira, 7 de abril de 2011

ALÉM DA NOVELA - TRAIÇÃO PERDOADA

Já que Ivan conheceu Raquel antes de casar com Helena, o público perdoa o adultério


O relacionamento adúltero de Ivan e Raquel pode até ser um erro, mas é perdoável porque eles se conheceram e se apaixonaram desde o começo da novela. Heleninha não deve ficar sozinha, vai aparecer alguém para ficar com ela. E mais ou menos essa a essência da opinião popular sobre a novela "Vale Tudo". Seja em Ipanema ou Jacarezinho, o público continua conservador - mas cada vez mais tarimbado em adotar jeitinhos morais para livrar a cara de seus personagens favoritos. E não abre mão do final feliz.

Dos 19 entrevistados, de diversos bairros e situações econômicas, 18 elegeram Ivan e Raquel como o casal ideal, apesar de ele estar casado com outra. O militar Carlos Alberto Lopes, 38 anos, foi o único que destoou: "ele tem que ficar com Helena e dar todo apoio", opinou. Entre os 15 que ficam chocados com o adultério mas incentivam a permanência do par romântico - a grande maioria - estão as irmãs Ana Clara, cabeleireira, 46 anos, e Dora Lopes, 58, aposentada, esta chegando a citar o velho ditado "o que os olhos não vêem o coração não sente'', para amenizar os atos de Ivan e Raquel. Todos, sem exceção, querem Heleninha casada com alguém no fim da novela. "Ela precisa de ombro forte'', acredita Célia Rodrigues, dona-de-casa, 54 anos.

Regina Duarte, embora muito satisfeita com "Vale tudo", se cerca de todo o cuidado ao falar da novela. Sobre sua Raquel, ela se apossa de um chavão constante da personagem e diz que o passado é passado e já passou; o futuro, segundo ela, aos autores pertence; e o presente é o que está nas telas. De qualquer forma, escapa de fazer comentários críticos sobre o relacionamento de Raquel e Ivan e as possíveis conseqüências disso na vida de Heleninha. Não quer se arriscar com previsões sobre o rumo que a novela vai tomar:

- Já me frustrei muito ao falar sobre o destino dos personagens nas novelas em que trabalhei. Acho que estamos sempre nas mãos dos autores mesmo. Dar opiniões, nessas horas, só atrapalha.

Para Renata Sorrah, a questão menos importante é se Heleninha fica ou não com Ivan. Acha a reestruturação da personalidade de Helena o problema fundamental e já traçou até o futuro que deseja para sua personagem:


- Heleninha é superapaixonada por Ivan, mas isso é muito mais fruto de suas fantasias do que um sentimento maduro correspondente à idade dela. Por ser uma alcoólatra, ela se encontra socialmente alijada, fragilizada e dependente. Eu adoro a Heleninha e só posso desejar para ela uma volta por cima muito bem dada. Uma volta que começa necessariamente nos Alcoólicos Anônimos, continua na análise e se sustenta no trabalho dela, que é muito bonito. Depois disso, então, que ela pense em se apaixonar.

Mais uma vez duas mulheres representam, para o público, a uma (a esposa) e a outra (a amante). Dessa vez, com uma novidade: um acidente de percurso inverteu os papéis. Para variar, inverteram-se também os valores de boa parte do público.

Para a dona-de-casa Sebastiana de Souza, a outra é Heleninha, porque "Ivan conheceu Raquel primeiro". Nessa hora, são até esquecidos os deslizes do galã como deixou claro a telespectadora Isabel da Silva, que classifica o casamento de Ivan como um momento de fraqueza, e o perdoa.



Na sua sólida crença de que o mocinho é sempre herói e o bandido merece cadeia, o telespectador invariavelmente não percebe os rasgos de decência deste e perdoa a canalhice momentaneamente revelada daquele. E os dólares que Ivan quis roubar são o exemplo sempre usado. Para completar, toda ordem de problemas se resolve com o casamento.


Mas Carlos Alberto Lopes, militar, casado e morador em Guadalupe, não é tão tolerante com Ivan:


- Eu não sigo a novela, mas nem precisa. Vendo um capítulo por mês dá para acompanhar a lengalenga. Não gosto dessa história de o cara ser casado e ficar de caso com outra. Mesmo que seja alguém que ele tenha conhecido antes e se apaixonado. Ele agora é casado, e a mulher dele anda bebendo. Se ela já era doente antes, agora já tem motivo para encher a cara. A outra já tem lá os restaurantes que queria, pode arranjar um outro cara livre para ela. Se ele quer ficar com a Raquel, devia logo liberar a Helena, mas acho que ele tem a obrigação de dar um apoio maior para a mulher.


No fim, como demostra a maioria dos depoimentos do público, o "ficar com" é importantíssimo, porque é exatamente o que dá a sensação de dever cumprido, de tarefa executada, de novela acabada. Portanto, não é sempre que vale tudo: tem de aparecer alguém para Heleninha.

Fonte: TV Pesquisa


Por
Tânia Neves
Matéria Publicada em 12/10/1988 em O Globo

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