sexta-feira, 29 de abril de 2011

ALÉM DA NOVELA - COM ODETE, A ARTE DA MALDADE


Enquanto Odete Roitman vive arquitetando maldades, Beatriz Segall, que faz a maior vilã de sua carreira sem perder o bom humor, só tem planos sadios, como montar uma nova peça de teatro e ser dirigida pelo filho cineasta, Sérgio Toledo. Agora, porém, ainda é tempo de dedicação total a "Vale tudo" e à maquiavélica e poderosa empresária, que, ao ser apresentada por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, os autores da novela das oito, pareceu, para a atriz, ser mais fácil de interpretar e foi definida como uma nova Chica Newman, personagem de Fernanda Montenegro em "Brilhante", também de Gilberto.
Se em 1982 Chica Newman foi cruel, sua representante nos dias atuais vai muito mais longe, superando em mil pontos a vilã anterior interpretada por Beatriz Segall no começo dos anos 80, a aristocrática Lourdes Mesquita de "Água viva" — outra criação de Gilberto Braga —, segundo a atriz:

— A Lourdes era uma boba, ligada em valores falsos, que vivia de pequenas maldades.

Beatriz, inclusive, não imaginava que seria tão atingida pela personagem mas, a exemplo de Marília Pera em relação à Juliana de "O primo Basílio", vem sentindo o quanto é difícil encarnar Odete:

É mais difícil do que eu pensava no começo, ainda mais que eu sempre tive a sensação de que as personagens que eu vivi nunca me atingiram. Há uns dois meses, porém, li uma entrevista em que a Marília se dizia assustada com a Juliana a ponto de chorar depois de praticar suas perversidades na minissérie. Para mim, foi uma revelação, porque eu também carrego esse sentimento, só que nunca tinha confessado ou admitido isso. Mas ao mesmo tempo em que não é fácil conviver com a Odete, porque ela tem idéias que eu abomino, estou adorando vivê-la.

Recentemente, a personagem ausentou-se da novela para mais uma de suas viagens à França, onde diz que se sente em casa, voltando após duas semanas — tempo em que Beatriz tratou de fazer pequenas viagens a São Paulo e Campos do Jordão. Fôlego refeito, Odete surgiu mais disposta do que nunca a praticar maldades, a começar pelo plano de derrubar Raquel (Regina Duarte) usando o namoradinho Válter que infiltrou na Paladar. Aliás o desfecho desse episódio, quando Odete consegue dar fuga a Válter livrando-se assim da cadeia, já foi gravado para o capítulo 135: um violento tapa de Raquel no rosto da vilã, que, aliás, logo substituirá Válter por César (Carlos Alberto Riccelli). O tapa, no entanto, é uma punição mínima para Odete, na opinião de muita gente. Entre os boatos que circulam sobre a personagem, há o de que ela não chegará viva até o fim da novela. Beatriz não se surpreende com isto nem questiona essa morte:

Afinal, tudo é permitido aos autores. Mas, se eu pudesse optar, daria para Odete um final sem tragédias e punições. No país dos crimes de colarinho branco, punir uma pessoa como ela seria uma mentira.

Outro ponto importante para a atriz é convencer o público de que é diferente de Odete:

Não sei porque teimam em me querer mostrar semelhante a ela, nas entrevistas que dou. Mas não adianta. Odete e eu somos incompatíveis.

Se a personagem é contra posseiros, a atriz quer a reforma agrária. E enquanto Odete mal suporta as pessoas em geral, sua intérprete é bem-humorada e adora estar cercada pelos amigos, no seu apartamento no Rio ou em sua casa em São Paulo. Nas duas cidades, Beatriz, surpreendentemente, é muito mais admirada do que execrada pelo público:

Muitas vezes encontro gente que concorda com as coisas que Odete diz, que acha que violência deve ser revidada com violência, que concorda quando ela fala mal do Brasil. Isto porque ela satisfaz uma ânsia de gritar do brasileiro — só que de um jeito que eu, Beatriz Segall, detesto — e porque a personagem é verdadeira e bem criada pelos autores.

Quando Gilberto Braga definiu Odete como uma chata para Beatriz, pedindo desculpas porque.a faria assim, ela replicou: "Acho que eu nasci para me ocupar das chatas. Mas tudo bem, porque sempre me deram ~atas muito gostosas de interpretar". Com isto ela se referia às personagens pobres ou rica, mas quase sempre boazinhas, que vem colecionando ao longo de sua carreira na TV. No teatro, ela se prepara para voltar à cena num monólogo, como em "Emily", fazendo o papel de Lillian Hellman. Estar só no palco é um desafio, mas também um prazer:

Coisas fáceis não são para mim. Nos últimos anos sou eu quem escolho o que interpretar, como esse novo texto, que é fantástico, bonito e vai me dar a oportunidade de fazer um bom trabalho.

Fazer televisão e teatro ao mesmo tempo, segundo Beatriz, é de enlouquecer:

O desgaste é enorme, as personagens vivem se interligando e o ator ainda precisa de tempo para ser ele mesmo, para assumir a sua vida real.

Mas é raro ela se dividir assim. Quando queria ser apenas dona de casa e mãe de família, ela não titubeou e deixou o trabalho de lado. Agora, porém, com a carreira retomada há 24 anos, ela diz que só a abandona outra vez quando morrer:

Tenho a maior admiração pela Katherine Hepburn, que aos 80 anos continua trabalhando, linda e maravilhosa. Se eu conseguir o que ela consegue, vou ser feliz demais.

Afinal, com os filhos criados, não e mais preciso renunciar ao trabalho:

Mas ainda assim continuo a ser uma mãezona, embora não me meta na vida deles como faz uma Odete Roitman.

Um sonho, no entanto, ela não esconde: ser dirigida por Sérgio Toledo, que com seu primeiro longa-metragem, "Vera", já alcançou o sucesso. Seus dois outros filhos, Paulo e Mário, são arquitetos, sendo que o segundo mora em Londres, mas não por imposição da mãe, que até diz que não moraria no exterior porque, ao contrário de Odete, se sente 100% brasileira:

Não adianta, eu sou o contrário do que ela é. Em comum com a Odete talvez tenha apenas o fato de ser uma pessoa forte.

QUE FIM DEVE TER A MAIOR VILÃ DE 'VALE TUDO'? COM A PALAVRA, OS ATORES

As vilãs já foram bem mais maltratadas do que Odete Roitman é hoje. Que o diga Beatriz Segall. Uma das mais antigas histórias é contada pela octogenária Henriqueta Brieba, que, na década de 50, só porque interpretava uma mulher ma, recebeu de um ouvinte da Rádio Nacional o presente mais insólito de sua carreira: uma corda para se enforcar. Ela conta:

Com a Marta, da radionovela "A gloriosa mentira", eu fazia misérias. Por isto recebi a forca, junto com uma carta cheia de ofensas, que havia ainda um aviso: caso eu não me enforcasse, o remetente me emprestaria um revólver 45. Mas eu compreendi sua raiva. Tanto que guardo a corda até hoje, como um belo troféu.

De lá para cá, o quadro vem mudando, gradativamente. Fernanda Montenegro assombrou os espectadores com as maldades de Chica Newman nos início dos anos 80, em "Brilhante", mas continuou querida e até mereceu um belo romance no final da novela. Até porque, como diz Tereza Rachel, outra que já viveu grandes vilãs, a maior delas em "Louco amor", há cinco anos, "o público não quer mais bater nos interpretes porque já sabe separar ator e personagem; o que ele faz é cumprimentar pelo belo desempenho". Com Beatriz Segall não tem sido assim? Até o cabeleireiro da atriz tem tido trabalho dobrado com as mulheres que chegam ao seu salão querendo "aquela mesma mecha loura que a Odete usa". Simpatias à parte, ainda há os que têm reações extravagantes e Ivan Cândido é testemunha. Quando fez o papel de um matador profissional em "Roda de fogo", o ator recebeu o telefonema de um fã, que lhe ofereceu dinheiro para matar de verdade Mário Liberato. Sua resposta: "Não posso. O Cecil Thiré é meu amigo."

O destino de um vilão é sempre uma incógnita, às vezes até para os próprios autores. Enquanto continuam os boatos sobre o final de Odete em "Vale tudo", personagens que sofrem com a vilã — e os atores que os interpretam — têm opiniões diversas. Vamos a elas:

- Regina Duarte, a Raquel — "Ela deve ser punida, claro. A Raquel bem que tenta levá-la para a cadeia, em vão, mas isto deveria acontecer no final. Eu própria concordo com essa justiça."

- Glória Pires, a Fátima — "O que a minha personagem quer é que a Odete se dê bem. Assim, seu final poderia ser bela e feliz em Paris, por que não? Mas, na minha opinião, o castigo de Odete deve ser a prisão, para pagar seus inúmeros crimes, já que, nesse episódio da maionese estragada, ela quase se torna uma assassina."

- Cássio Gabus Mendes, o Afonso — " Mãe é mãe e, assim, Afonso não pode querer ver Odete morta. Mas, embora sofra, há de aceitar vê-la punida pelos seus crimes. Eu próprio acho que Odete deve levar dois grandes tombos, um profissional e outro pessoal. Só não sei como isso deve ser feito, fica a critério dos autores."

- Reginaldo Faria, o Marco Aurélio — "Meu personagem é tão aproveitador, tão excuso quanto ela, por isso não há de querer que Odete se dê mal. Marco Aurélio quer é tê-la sempre como uma aliada. Pessoalmente, porém, prefiro não julgá-la."

- Cláudio Corrêa e Castro, o Bartolomeu — "Nos capítulos em gravação ele se torna mais uma vítima de Odete. Isto porque Bartolomeu é muito bom, não compreende a maldade, tem uma dificuldade mental para isso. Já como jornalista e homem vivido, ele acha Odete um charme, alguém que o atrai muito até porque dá boas reportagens. Bartolomeu fareja nela a pessoa carismática, de grande energia. Imagina essa energia ligada ao progresso do País? Pois para ele e para mim, e para a novela terminar com o mesmo realismo que vem mostrando, a Odete não deve receber punição nenhuma — como na vida real. A não ser que a trama dê uma grande virada, apresentando novos fatos que justifiquem alguma outra solução."

Matéria publicada em 16/10/1988
Jornal O Globo
Por Maria Bernardes


fonte: TV Pesquisa - PUC RJ

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