ALÉM DA NOVELA - DESPREZO TOTAL PELO PRÓXIMO

Acho que realmente eu criei, sem que isso fosse voluntário, uma tradição de vilãs de novela. sempre magistralmente interpretadas por nossas grandes atrizes. No final de 'Dancin'Days", Yolanda (Joana Fomm) mostrou se incorrigível. Em "Água viva" Lourdes (Segall) também não aprendeu lição alguma, terminou a mesma peste que era no início. Em "Brilhante", sim. Chica (Fernanda Montenegro) recuperou-sé por causa do amor e terminou a novela redimida, ao lado do seu bom motorista Carlos (Cláudio Marzo). Em "Louco amor", Renata (Tereza Rachel) acabou pobre mas folgada como sempre. Em "Corpo a corpo", Lúcia (novamente Joana Fomm) morreu queimada, pagando seus pecados porque, afinal de cortas, era a novela do diabo. 

Em "Vale tudo", Aguinaldo, Leonor e eu ainda não resolvemos o que fazer com Odete Roitman. Leonor me falou outro dia: Se for para morrer, tem que ser de morte lenta sofrendo muito. Morrer para ela, ia ser muito pouco. Eu já disse, pela boca da Raquel, que queria ver a Odete "chicoteada em praça pública". Enfim, ainda falta muito para o final, estamos escrevendo por volta do capítulo 150 e a novela vai ter 203. A Odete é uma maneira ótima de fazer catarse, soltamos os nossos demônios e nos deliciamos com o charme e o talento da Beatriz. Por mim, o fim da Odete tem que ser muito triste. Afinal de contas, desde que ela surgiu, eu nunca vi exemplo tão vivo de fascismo. A personagem tem um total desprezo pelo próximo talvez o único pecado humano que eu não me sinto capaz de perdoar. 

Gilberto Braga 
ao jornal O Globo 
16/10/1988

Fonte: TV Pesquisa - PUC RJ