domingo, 10 de abril de 2011

ALÉM DA NOVELA - AMANTE PROFISSIONAL


Novelas mergulham no submundo da prostituição masculina


''Moreno, alto, bonito e sensual, talvez seja a solução pro seu problema, carinhoso, bom nível social. Inteligente e à disposição prum relacionamento íntimo e discreto, realiza seu sonho sexual. Amor sem preconceito, sigilo total, sexo total. Amante profissional''.


O tema não deu samba, mas um rock de sucesso que marcou a passagem da bando Herva Doce no meio musical. Hoje, o grupo está desfeito. O assunto, no entanto, volta a ser abordado sem véus na novela Vale Tudo, envolvendo a rico empresária Odete Roitman (Beatriz Segall), capaz de pagar - e bem - para ter uma companhia. Por que Odete paga? Por ser uma mulher de meia-idade e gostar de garotões? Que pensam João Bourbonnais - o Walter - e Paulo Reis - o Olavo - sobre esse tipo de relação? E, na vida real, como é o dia-
a-dia de um profissional do sexo?


O psicólogo e sexólogo Marcos Ribeiro aponta "um tremendo estado de solidão" como causa maior dessa procura. "Por outro lado", ele diz, "a mulher passa a repetir o que os homens já fazem há muito tempo: pagar pelo serviço. E, como o homem, ela começa a exercitar o poder. A partir daí, fica claro que essa mulher, tanto quanto o homem, dissocia sexo de afeto."

Se assim é, que motivos levam as mulheres a exigirem de Élcio, nome de guerra de um amante profissional de 23 anos, que ele tenha prazer, caso contrário elas não pagam pelo serviço? E mais: como se explica que grande parte delas rejeite o uso de camisinha?

Para o sexólogo, a reação tem a ver com a fantasia da mulher, com sua dificuldade de aceitar a si própria. "Talvez ela se ache feia, pouco desejada e, já que ela está pagando, quer tornar a fantasia a mais real possível."

SEXO E AMOR - O ator Paulo Reis, 36 anos, 1,80m, 76kg, que interpreta o fotógrafo pornô 
Olavo e brevemente estará tentando dar uma cantada profissional na rica e jovem Aldeíde, não vê a situação pelo mesmo prisma. "Afeto até pode haver", ele acha. "Quantos velhos não sustentam mocinhas e gostam delas? Mas não há dúvida de que, por mais afeto que possa existir, será sempre uma relação mais vazia."

"Quem sou eu para julgar?" - ele continua. "Um especulador da Bolsa de Valores, por exemplo, faz um papel tão imoral quanto. A diferença é que ele é aceito pelo sistema." Sobre a divisão entre sexo e amor, Paulo acredita que "talvez ela seja boa para a raça humana".

- Sexo e amor nem sempre são coincidentes e a pseudomistura dos dois não deu certo no passado. As pessoas se casavam por conveniência e depois o homem transava com quem queria.

A propaganda atual também exerce muita influência no comportamento sexual das pessoas, segundo Paulo Reis. "Ela cria necessidades inexistentes, como trocar de carro todo ano. E como está a cada dia mais erotizada, passa isso para todo o mundo. Quem não tem uma vida sexual satisfatória, começa a se achar inferior. A mesma mulher que há alguns anos poderia passar uma noite de solidão tranqüila, hoje não consegue mais."

Foi pelo arquivo de VT, de São Paulo, que a TV Globo escolheu João Bourbonnais para interpretar Walter. Carioca de Copacabana, 33 anos, 1,80m e 76Kg, ele admite ter o físico do papel. "Acho que eles escolheram pela cara, pela idade." João está há 15 anos em São Paulo e, antes dessa sua primeira novela, trabalhou em teatro, e na televisão fez minisséries como Avenida Paulista, além de ter apresentado, durante quase 6 anos, o Telecurso P Grau.

Sua primeira preocupação para compor Walter foi aproximar-se de um amante profissional. Mas também foi fundo na pesquisa em ficção. Assistiu à filmes como Gigolô Americano e Apenas um Gigolô, e leu Memória de um Gigolô, "uma abordagem romântica do tipo".

Ele não vê diferença entre o prostituto e o amante profissional. Enquanto para Paulo Reis está "no tratamento personalizado, mais sofisticado", João estabelece que "a moral de um é a mesma do outro. O que um topa, o outro topa. Se existe algo diferente é a estabilidade. O prostituto não tem quem banque sua vida e se dá por satisfeito com pequenos michês."

Em relação à afetividade, no entanto, João não é tão categórico e chega a aceitar que a relação de Odete com Walter preencha a carência afetiva da empresária. "Porque ela é humana. Uma bruxa também ama", ele diz. O que não significa que João encare com naturalidade a "situação comercial, mercantil", entre seu personagem e o de Beatriz Segall. "É uma relação fria, técnica. Pode até haver um certo tipo de prazer, mas eles não são felizes."

PRAZER POR UM PUNHADO DE NOTAS - Élcio, 23 anos, moreno queimado de praia, que não dispensa academia de ginástica e musculação, é um dos muitos profissionais do sexo que atendem a domicílio e puseram seu anúncio num jornal do Rio nesta última terça-feira. Há 7 anos ele está nesse tipo de trabalho. E por conta dele já conseguiu comprar um apartamento, um carro e um telefone. E noivo, mas a noiva pensa, assim como a família dele, que Élcio é gerente de restaurante.

Desembaraçado ao telefone, ele explica que vai continuar no ramo por mais 2 anos apenas. Depois disso, pretende ingressar na Polícia Civil. Atualmente, cobra Cz$ 15 mil por 3 horas de companhia, Cz$ 40 mil para passar a noite e Cz$ 30 mil para viagens curtas, com ida e volta no mesmo dia. O preço mais barato, revela, deve-se ao fato de poder curtir o passeio.

A madrugada de sexta-feira é, para ele, o dia de maior movimento. Suas clientes, todas de classe alta, costumam, segundo Élcio, chegar tarde das noitadas e então ligam para ele. Nem todas, como seria de supor, são mulheres de mais idade. As de 30 anos também gostam da companhia dele, principalmente mulheres casadas, que estão com o marido em viagem. "Nesses casos, eu tenho medo", conta. "O marido pode não ser muito moderno, não é?"

Uma relação mais constante ele nunca teve e nem quer. "Quero liberdade", afirma. "Esse negócio de te dou isso, te dou aquilo, às vezes é tudo caô (mentira). Não me aprofundo nisso, não. Não me iludo."Seu período de trabalho "mais quente" é o carnaval. "No Natal e Ano-Novo, boto o telefone fora do gancho e vou passar com a família.''

Matéria de Ofélia Crim
publicada no Jornal O Dia de 16/10/1988

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