quinta-feira, 31 de março de 2011

ALÉM DA NOVELA - AS DUAS FACES DO SUCESSO


Dez anos após estourarem em Dancin'Days, 
Lídia Brondi e Glória Pires se reencontram em Vale Tudo



Sem saber de que dupla estava falando, o astrólogo Pedro Tornaghi disse que Lídia Brondi é Escorpião, com ascendente em Capricórnio e Lua em Libra. Três signos estratégicos que lhe darão forte personalidade, gosto por desafios e Investigação da verdade. Tem capacidade de se concentrar em suas metas e se atirar nelas com toda a intensidade. Os outros verão suas qualidades antes que ela própria as perceba e, profissionalmente, é crítica, só aceita o que quer, mas seleciona tanto que pode ficar com o que não quer. Na paixão, tem a impulsividade ariana, mas deve saber ser companheira e não apenas seduzir. Tem iniciativa, decisão e coragem para levar tudo às últimas conseqúéncias. É controladora ao extremo e deve deixar o barco correr mais solto. 

Já Glória Pires é Leão, com ascendente em Sagitário e Lua em Libra. É aparentemente meiga e frágil, mas os íntimos conhecem sua força irredutível. Tem necessidade de ser lambida, é carente de afeto. Na profissão, atrai a boa vontade de patrões e chefes e o Sol na décima casa lhe dá pânico de ficar desempregada, mas tem Intensidade emocional e também aprecia desafios, embora aja sempre no sentido de obter proteção. As duas atrizes são, segundo o astrólogo, farinhas de sacos distintos, mas uma sociedade entre Lídia e Glória traria boas energias, porque uma encarna o que a outra tem medo de ser. Lídia daria vitalidade aos projetos de Glória, enquanto Glória poderia empolgar Lídia. Ele acha, porém, pouco provável esta sociedade, porque há interesses e prioridades entre as duas muito diferentes.

As duas atrizes têm em comum uma história de maridos cabeludos. Glória Pires, de 24 anos, casou e teve a menina Cléo, de cinco, com o cantor Fábio Júnior. Lídia Brondi, de 29 anos, casou e teve a menina Isadora, de três, com o diretor de novelas Ricardo Waddinton. A semelhança entre as duas trajetórias, porém, vai além do desejo dos anos 80 por objetos com cabelos na altura do ombro. Lídia e Glória estouraram há dez anos com a novela Dancin' Days e agora se reencontram, com casamentos desfeitos e ex-maridos de cabelos curtos, na novela Vale Tudo, do mesmo autor Gilberto Braga, em parceria com os escritores Aguinaldo Silva e Leonor Basséres. As duas consideram a novela de 78 um marco cultural, mas Vale Tudo levaria a vantagem de ter no elenco quase idêntico ao de Dancin' - além de Lídia e Glória, voltam ao ar Antônio Fagundes, Reginaldo, Faria, Beatriz Segall, Cláudio Correa e Castro - nomes hoje enriquecidos por 10 anos de estrada. A ousadia do então diretor Daniel Filho de lançar atores desconhecidos se transformou numa jogada de sucesso internacionalmente garantido.

A história de Dancin, se repete também na trama de Vale Tudo. A personagem de Glória Pires rouba novamente o namorado da personagem de Lídia. As duas atrizes, porém, se livraram de estigmas que sempre as perseguiram na Globo. Glória terá a oportunidade de ser, enfim, uma pilantra. O máximo de mau-caratismo que conseguiu, depois de lançada como santinha em Selva de Pedra, de 72, foi ser carente ressentida em Dancin' ou em Água Viva, de 80. A maldade de Fátima, de Vale tudo, está ainda justificada por deformações éticas já generalizadas na cultura nacional, mas Glória gostou. "O bom do Gilberto é que ninguém é totalmente bom ou ruim. Fátima quer apenas ficar rica de qualquer jeito, porque vê que não adianta ser honesto no Brasil", diz. Lídia, também venceu o tipo rebelde, sempre emaranhado com uma relação complicada com o pai - a última foi Tânia, em Roque Santeiro. "Graças a Deus, Solange nem mora com o pai. O bom é que Solange vai à luta, é independente sem negar um lado frágil, feminino, de querer e ter filhos", diz Lídia.

Tudo mais é diferença. É certo que Lídia e Glória começaram bem cedo na TV, ajudadas pelos pais. Filha do comediante Antônio Carlos, Glória botou seu rosto pela primeira vez no vídeo em 68, na abertura da novela A pequena Órfã. Filha do pastor eletrônico Jonas Resende, Lídia estreou em 75 na novela O Grito. Glória tem quase 20 anos de contrato de trabalho ininterrupto na Globo, mas Lídia, faz questão de contratos por cada novela que deseje ou precise fazer. Lídia se arrisca ao desemprego, mas não é obrigada, por exemplo, a fazer chamadas para o Fantástico, um destino inevitável dos eternos contratados. Ganha assim liberdade de escolha de personagens e pode mudar-se para o canal da Manchete. Ela fez a repórter Bárbara, ano passado, em Corpo Santo, da Manchete, e enfrentou duas semanas de crise existencial para se decidir entre o papel de Vale Tudo e um novo convite para Olho por Olho, a próxima novela da Manchete.

A dependência da Globo não se traduziu, na prática, em ostracismo algum para Glória Pires. No status da casa, Glória voou mais alto do que Lidia. Ganhou, por exemplo, o papel de protagonista em Cabocla, personagens fortes e marcantes em Água Viva, As Três Marias, Louco Amor, Partido Alto, Direito de Amar e na sofisticada minissérie O tempo e o Vento, dirigida por Paulo José. "É uma visão um pouco tola de que um contrato fixo de trabalho vai te dar uma relação paternalista com a emissora. A emissora sabe que o ator desestimulado não acontece e pode arrasar a novela. Eu acho até que fiz poucas novelas (Vale tudo é a décima) e nunca fui obrigada a fazer um trabalho que não gostasse'', explica.

Houve aí uma exceção. A atriz revela que teve uma experiência bastante negativa com a primeira novela de Aguinaldo Silva, Partido Alto. "Eu estava em crise, me separando do Fábio e não queria fazer a novela. Minha filha estava muito carente, eu estava desestimulada, não conseguia gostar do personagem", diz. O diretor Roberto Talma insistiu. tanto, que Glória aceitou o papel - "mas só porque o Talma ia dirigir''. Resultado: não gostou de Partido Alto. Já com Gilberto Braga a identificação, segundo ela, sempre foi quase instantânea. "Eu adoro Balzac, ele também. Gilberto é um pouco Balzac, mas é também Janete Clair ao explorar chavões de maneira intensa, complexa e inteligente", analisa. O trabalho na Globo não impediu sequer suas incursões, que diz adorar, no cinema. Ela es Índia, a Filha do Sol, Memórias do Cárcere, Besame Mucho e Jorge, um Brasileiro. "Estive conversando com a Lídia sobre nosso prazer de fazer cinema, mas eu, pelo menos, sou muito pouco convidada para filmes. Queria mais", queixa-se.

Lídia Brondi, Suzana Queiroz e Glória Pires:
atrizes de Dancin' Days

Já Lídia Brondi explica que sua opção por contratos independentes é uma simples questão de temperamento. "Isso me estimula, me faz sentir independente, mas a liberdade é sempre relativa", diz. Ela lembra que, desempregado, o ator pode aceitar um papel por motivo Idêntico que o contratado: sobrevivência. Apesar de produtivos intervalos de desemprego, Lídia começou mais tarde do que Glória e já fez mais novelas - Vale Tudo é a décima terceira. Ela venceu ainda problemas de voz para estrear no teatro em Calúnia e, para prosseguir na sua militância sindical por melhores condições de trabalho, mergulhou na estonteante maratona de gravações da Manchete. "Lá a gente participava de toda a produção. Era uma coisa legal de equipe, sem o glamour das novelas da Globo. Eu entrava em cena sem uma única escova no cabelo, muito menos maquilagem em 20 horas de gravação lá em Água Grande", diz. Uma vez até seu pai telefonou Para dizer "ó Lídia, passa ao menos um blush no rosto". A atriz saiu de Corpo Santo com pique para estrear a comédia Drácula e lançar o filme Rádio Pirata.

Lídia em "Corpo Santo" da Manchete
Foi, aliás, o desejo de participar da totalidade de um espetáculo que, decidiu a escolha por Vale Tudo. Lídia está atrás de um texto para produzir e atuar em teatro, projeto impossível com novas e intermináveis gravações em Água Grande: A novela da Manchete é novamente do José Louzeiro, a equipe é a mesma, superlegal, quase não resisti.

Mas a Globo me dá tempo para realizar este projeto, além de a novela ser do Gilberto Braga e ter na direção o Dênis Carvalho, que todo mundo diz que é genial e eu nunca trabalhei com ele. O salário na Globo, segundo ela, também melhorou muito depois de sua passagem pela concorrente carioca.

Glória em "O Tempo e O Vento"
A diferença de temperamento está ainda nas avaliações profissionais de Lídia e Glória. Com jeito meigo, Glória Pires diz que acha Lídia "uma boa atriz'', embora admita que nunca vê televisão. "Eu só gosto de ver filme bobo no domingo, daqueles que não precisa prestar atenção na história", confessa. Lídia parece articular melhor sua opinião sobre a colega. "Glória é o máximo. É intuitiva e não a imagino racionalizando como vai compor um personagem. Ela vai na intuição, tem a maior prática com televisão e arrasa porque é boa pra caramba", comenta. Com o mesmo sorriso doce, Glória diz que não sabe por que se casou, este ano, no civil e no religioso, com o músico e fazendeiro de Goiás Orlando de Morais Filho, depois de dois casamentos informais. Lídia, porém, explica que casou com Ricardo Waddington na Igreja Anglicana porque seu pai foi o pastor que realizaria a cerimônia "e porque toda mulher, por mais que vá à luta, deseja este ritual de casamento e filhos". Glória jamais posaria nua "para não contribuir para a escravatura da mulher". Já o corpo nu de Lídia Brondi no ano passado excitou milhares de leitores da revista Playboy.

As histórias de Dancin' e Vale Tudo também se separam por algo mais do que um longo período de dez anos. Gilberto Braga abordou a discriminação social da ex-presidiária Júlia Matos (Sônia Braga), mas, na essência, botou o país inteiro para dançar com o som das discotecas. As meinhas prateadas de Júlia viraram acessório até de sandália havaiana na caatinga nordestina. O ar da Globo está agora contaminado por gente desempregada, desesperada, cética e sem ética. O Brasil mostra enfim sua cara de pilantra com a ajuda de duas das mais belas caras da TV.



Jornal do Brasil - 21/5/1988
Reportagem de Márcia Cezimbra
Pesquisa: Júlio César Martins
jcamartins@gmail.com

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