TOM CHIQUÉRRIMO
Beatriz Segall brilha como Odete em Vale Tudo
Desde que Vale Tudo, a novela das 8 da Rede Globo, estreou, em maio, suas principais coesões têm sido proporcionadas pela trama que envolve a espertalhona Fátima, vivida por Glória Pires e sua mãe, a ingênua Raquel, interpretada por Regina Duarte. Nas últimas semanas um outro personagem, com uma interpretação discreta e segura, vem conquistando um posto de destaque na novela – a matriarca Odete Reutemann (sic), vivida por Beatriz Segall. A milionária e poderosa empresária, que dirige com mão de ferro a Companhia Aérea TCA e ao mesmo tempo manipula a vida dos filhos – a alcoólatra Helena (Renata Sorrah) e o inseguro Afonso (Cássio Gabus Mendes) -, não transparece na tela como uma merca caricatura de mulher rica e má, como costuma ocorrer com as grã-finas de novelas. Beatriz dá vida a uma Odette convincente, que parece realmente pertencer à alta sociedade. Sofisticada, ela vive irritada por ter deixado Paris para voltar ao Brasil. Dominadora, não hesita em abusar do poder que tem para conquistar o que deseja. Nos próximos capítulos, Odete não só comprará a confiança de Fátima como também convencerá a família inteira que ela é a mulher para se casar com Afonso.
A chave do bom desempenho da personagem – à exceção de sua arrogância e mau caráter – são as características que Odete e Beatriz têm em comum. Sem os exageros ou a afetação de Odete, a atriz também é uma mulher culta, refinada e vaidosa. Dividindo-se numa agenda apertada entre os palcos de teatro e os estúdios de televisão, num eterno corre-corre entre suas duas casas, uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo, Beatriz está sempre impecavelmente vestida. Em qualquer ocasião, faz questão de esconder a idade e cuidar de sua aparência. Nos bastidores da Globo, seus colegas de trabalho são unânimes em afirmar que ela é, sobretudo, uma mulher chique. “Beatriz é uma das poucas atrizes brasileiras que conseguem dar credibilidade ao papel de rica”, diz um dos autores de Vale Tudo, Gilberto Braga.
Maurício Segall |
PRISÃO – Dona de uma vida social pouco movimentada – prefere receber os amigos em casa a sair para noitadas -, Beatriz cultiva pequenas excentricidades – coleciona copos de cristal e pincenê, como revela um dos seus amigos, o jornalista Sérgio Augusto da Folha de S. Paulo. O sucesso da personagem também se deve ao empenho da atriz em acreditar que as maldades de Odete sempre têm algum fundamento, ou seja, a sua capacidade de viver o personagem por completo. “Tenho horror às pessoas prepotentes, mas quando encarno a Odete me convenço de que o que ela está fazendo é correto”, diz Beatriz.
A criação de Odete é um momento de brilho de uma atriz que enfrentou percalços em sua carreira. Quando se casou com o economista Maurício Segall – filho do falecido pintor Lasar Segall -, em 1954, Beatriz abandonou sua carreira para se dedicar à casa e aos três filhos. Sua volta ao palco só aconteceu treze anos depois. Na época, Maurício e Beatriz, que estão separados desde 1982, compraram o Teatro São Pedro, em São Paulo. Enquanto ele cuidava da produção, ela atuava nas peças. Em 1970, um golpe pegou o casal de surpresa. Maurício foi preso por motivos políticos – era ligado à Ação Libertadora Nacional -, passou um ano na cadeia e foi torturado. Beatriz assumiu a direção do teatro e cuidou dos filhos sozinha. “Ela foi uma mulher muito corajosa – na primeira semana em que estive preso ela nem sequer sabia se eu estava vivo, mas enfrentou tudo com força e serenidade”, lembra Maurício, de 62 anos, que hoje se dedica à direção do Museu Lasar Segall, que abriga as obras de seu pai, em São Paulo.
Atriz consagrada, com quase trinta anos de carreira, Beatriz é uma profissional disciplinada e meticulosa. Detesta chegar a uma gravação sem ter decorado suas falas e, no teatro, costuma cuidar pessoalmente de cada detalhe da produção. “Sou muito exigente com meu trabalho, meu julgamento pessoal é anterior a qualquer crítica do público”, diz a atriz. Tal empenho já lhe rendeu muitos momentos de brilho em sua carreira. Na novela Água Viva, em 1980, ela trocou de personagem no meio das gravações para encarnar Lourdes Mesquita, uma aristocrata má e decadente que ninguém queria interpretar. Beatriz aceitou o desafio e fez de Lourdes o papel de maior sucesso da novela.
“Ela é uma mulher frágil e tímida, e eu me surpreendo quando faz papéis fortes como os de Odete e de Lourdes”, diz Sérgio Toledo, 32 anos, um dos três filhos da atriz, cineasta que dirigiu, em 1985, o filme Vera. Seus dois filhos mais jovens são: Paulo, 24 anos, estudante de Arquitetura, e Mário, 29, arquiteto que mora em Londres. Quando seu tempo escasso permite, Beatriz se entrega a algumas de suas paixões: cantar, tocar piano, dormir até tarde e tomar café na cama. Esses hábitos, que reforçam os ares de afetação na rotina de Odete, ganham um toque de charme quando cultivados por Beatriz.
Revista Veja
20 de Julho de 1988
Transcrito por Jean Cândido
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