sexta-feira, 20 de maio de 2011

ALÉM DA NOVELA - VALE TUDO 23 ANOS




NOVELA CAI NA REAL E DESCOBRE UM BRASIL DESENCANTADO

O sonho acabou, e agora a televisão brasileira percebeu isto. As telenovelas, que até recentemente eram apenas um exercício de ficção e de escapismo, começam a se servir do mundo real para rechear suas tramas. E o caso de Vale Tudo, a novela que estréia amanhã às 20 horas 35m na TV Globo substituindo Mandala. Nesse novo trabalho de três escritores (Aguinaldo Silva, Gilberto Braga e Leonor Bassères), a corrupção, a violência, a intriga e a desesperança estarão tão presentes quanto no cotidiano dos telespectadores. Até a estrela principal do drama, a atriz Regina Duarte, desencarna de seus antigos papéis de Namoradinha do Brasil e de Viúva Porcina, que no passado fizeram os brasileiros e brasileiras esquecerem das amarguras de seu dia-a-dia. Ela agora é uma mulher madura que enfrenta o mundo e todas as suas maldades.

"Brasil, mostra a tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim", brada Cazuza em sua música Brasil, que na voz de Gal Costa estará a partir de amanhã apresentando os capítulos da novela Vale tudo no horário mais nobre da TV Globo. E justamente a cara de um país em crise que a novela pretende revelar, através de personagens criados a partir da pergunta - Vale a pena ser honesto no Brasil de hoje?

TRÊS AUTORES PARA 180 CAPÍTULOS

No País dos marajás, da corrupção, dos crimes de colarinhos brancos, da impunidade geral, onde muita gente só pensa em se dar bem, vale a pena ser honesto? Em tomo dessa questão que gira Vale Tudo, novela escrita e seis mãos por experientes autores da televisão - Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères - com direção de Dênis Carvalho.

A idéia da história surgiu a partir de uma reunião de família na casa de Gilberto Braga, onde se discutia se estava certo ou não um de seus parentes, comissário de polícia, nunca ter roubado.

Mas apesar da seriedade do tema, que dependendo da maneira como for desenvolvido pode dar muito o que falar, os autores avisam que o que vai sustentar a novela são as situações simples de sempre, já bastante conhecidas do telespectador: quem fica com quem. Vale Tudo tem na trama central dois personagens totalmente diferentes: Raquel (Regina Duarte), uma mulher que, abandonada pelo marido, vai à luta, vira guia de turismo e passa a sustentar a si e à filha; e Fátima (Glória' Pires), a filha, que só tem uma ambição na vida: ascender socialmente, não importa como. E para alcançar seu objetivo, vale tudo, desde mentir até roubar. A novela, porém, não ficará apenas em cima dos conflitos entre elas. Há mais 40 personagens que vão ter gradativa importância nos 180 capítulos da história.

A OPINIÃO DELES

Vale Tudo reúne dois cobras do folhetim: Gilberto Braga, autor de Brilhante, Dancin'Days, Água Viva e Corpo a Corpo, entre outros trabalhos, e Aguinaldo Silva, que escreveu O Outro, Roque Santeiro (junto com Dias Gomes) e várias minisséries, inclusive a premiada Bandidos da Falange. Com eles está Leonor Bassères, que desde Água Viva (1980) vinha trabalhando como colaboradora de Gilberto Braga e, pela primeira vez, assume oficialmente a função de co-autora.

Embora tenha causado estranheza a reunião desse time, eles estão animadíssimos com a tarefa. Cada um trabalha em sua casa: Gilberto no Flamengo, Aguinaldo na Barra da Tijuca e Leonor em Copacabana, em horários diferentes. Diariamente, eles se comunicam através do telefone, mas o mais importante é que as idéias dos três sobre Vale Tudo são bem afinadas:

- Eu não sei se vale a pena ser honesto no Brasil nos tempos de hoje. Vai depender do ponto de vista do espectador. Eu acho emocionante a Raquel, que em menos de 1 semana chega à conclusão de que pode se sustentar, trabalhando feito uma condenada. Enquanto isso, a Fátima fica hospedada na casa de uma conhecida, mas fica lá porque mente. E vive sob a tensão de ser descoberta e posta para fora. Entre essa tensão e a pobreza, pessoalmente escolheria a segunda opção. E vocês? (Gilberto Braga).

- É bom discutir essas coisas. O Brasil, coitadinho, anda tão deprimido, tão por baixo, que é um privilégio abrir um espaço para a discussão de questões que preocupam o País inteiro. (Leonor Bassères).

- O que eu mais gosto na novela é que todos os personagens têm cara. Depois de várias novelas, como O Outro, Mandala, Roda de Fogo, onde havia pessoas de exceção, estamos diante de uma novela em que as pessoas e os problemas são comuns. Apesar de ter uma questão forte, a da honestidade, não é uma novela temática, mas de cotidiano. (Aguinaldo Silva)

- A ascensão social não é um tema recorrente na minha obra. É na literatura, no cinema, na vida, porque é inerente ao ser humano. Amar e ser amado, ascender, são características básicas dos homens. Claro que Vale Tudo lembra Dancín'Days. A Raquel é um pouco a Júlia, e a Fátima urna Iolanda aos 20 anos. Mas isso não significa falta de inspiração. É absolutamente proposital. (Gilberto Braga)

- Essa temática também esteve presente em meu trabalho. Mesmo quando eu falava de justiçamento, omissão, linchamentos, o que havia por trás era uma discussão sobre justiça, moral, ética e sobrevivência. (Aguinaldo Silva).

- Quando cabeças parecidas se empenham num trabalho criativo, intenso, passa uma corrente de comunicação não verbal. Um acaba adivinhando o pensamento do outro. Além do mais, eu, Gilberto e Aguinaldo temos o mesmo universo ficcional. (Leonor Brasséres).

- O medo de não dar certo vai nos acompanhar sempre, até aparecer no vídeo, e não no papel, a palavra fim. (Gilberto Braga).

REGINA DUARTE deixou de lado a imagem do tema namoradinha do Brasil e da excêntrica viúva Porcina, de Roque Santeiro, e já está envolvida com o sofrimento de Raquel, personagem que Interpretará em Vale Tudo. E não é para menos porque, para ela, a novela é o retrato do nosso País.

- A história é bem representativa do nosso momento, das nossas dificuldades, dessa confusão e da decadência de valores - observa.

Regina está empolgada com a trama e não acredita que Vale Tudo terá um duplo sentido. Ou seja, que na briga pela audiência, emissoras estejam usando todas as armas, inclusive o erotismo, invadindo a intimidade das pessoas. Ela descarta esta possibilidade, apesar da recente demanda entre a Globo e a Manchete, travada através de Carmem e Mandala.

- Esta novela não tem o objetivo de abrir a intimidade das pessoas. Vai lidar é com a intimidade do País. O Gilberto e o Aguinaldo vão abordar o comportamento do povo brasileiro e não pretendem entrar na Intimidade física de ninguém - defende.

Regina Duarte encantou o Brasil na década de 70 com os papéis que interpretou em novelas como Véu de Noiva, Selva de Pedra, Minha Doce Namorada, Sétimo Sentido e outras que lhe deram o titulo de Namoradinha do Brasil. Mas os tempos mudaram. Hoje, aos 41 anos, mãe de 3 filhos (o mais velho, André, está com 17 anos) e uma carreira de 20 anos iniciada em São Paulo, ela fez questão de abdicar desse reinado para dar lugar apenas à Regina, que está no quarto casamento.

Por isso mesmo, não será difícil para o público brasileiro, que acompanha a trajetória profissional da atriz, ver agora Regina Duarte como mãe de Glória Pires na nova novela das 20 horas. Vale lembrar que na primeira versão de Seiva de Pedra, em 1972, Glória, ainda menina, participou da história como uma das moradoras da pensão palácio.

- Acho isso muito natural, enfatiza Regina. Glorinha é uma pessoa muito querida e eu tenho admiração pelo caminho que ela trilhou na profissão. E ser mãe dela é apenas uma conseqüência e está de acordo com a minha trajetória profissional e pessoal. Eu poderia, tranqüilamente, ter um filho de 21 anos.

Afastada da TV há 3 anos, quando Interpretou a viúva Porcina, a atriz confessa que está torcendo para que o público esqueça aquela personagem.

- Sei que Porcina está na memória das pessoas e na minha também. Agora mesmo, estava gravando como Porcina uma chamada para a Unicef falando sobre as vantagens do leite materno e ficou difícil deixar o sotaque de lado quando o Dênis (Carvalho) pediu para eu falar como Regina mesmo. O sotaque gruda. Mas acho que lembrar de Porcina neste momento, atrapalha a Raquel. E a Raquel é mais importante que tudo. Ela está entre os humilhados brasileiros, os que têm que batalhar muito e lutar contra a iminência da fome e das dificuldades finaliza.

ANTÔNIO FAGUNDES, embora reconheça a situação caótica em que se encontra o Brasil, não concorda que a novela seja uma forma eficaz de denúncia. Para ele, a "função primordial da televisão ainda é entreter as pessoas. Mas no momento em que a novela das 8 joga no ar assuntos como a corrupção, o desemprego no País, os grandes e pequenos furtos e a desonestidade de uma forma geral é porque tudo isso já faz parte do nosso cotidiano, de um jeito que não pode mais ser ignorado'', afirma.

Há 3 anos afastado das novelas (seu último trabalho foi em Corpo a Corpo), o ator se mostra empolgado em trabalhar novamente com Gilberto Braga, assim como conhecer Aguinaldo Silva e Leonor Basséres. Lembra da importância da postura dos autores de "sempre darem toques da realidade em seus trabalhos". Como exemplo, cita Corpo a Corpo, em que, segundo ele, Gilberto levantou de forma brilhante a problemática da mulher que ganha mais do que o marido. Mas, para Fagundes, que não prevê problemas para a abordagem de assuntos como os pequenos assaltos dos cambistas, os roubos das bandeiradas dos táxis e a falta de moradia, por outro teme que jamais possam falar dos grandes roubos. "Esses a gente até desconhece, não é mesmo?", indaga.

Ele se posiciona como um dos atores que sempre lutaram para que o público de tevê pudesse redescobrir a discussão social, em casa, depois de desligar a TV: "Durante muitos anos isso sequer acontecia. Mas acho que se a novela conseguiu, ao tocar nesses pontos de discussão, fazer com as pessoas de uma família conversem sobre aquele assunto durante 10 minutos apenas, já é uma vitória. Isso sempre me entusiasmou, fazer da tevê algo mais do que um eletrodoméstico anti-social?'

E critica as pessoas que costumam cobrar da TV a falta de profundidade: "Corno? Se nada no Brasil se aprofunda em nada? A gente esquece que existem 60% de analfabetos no País e que este é um povo pouco politizado e pouco Informado. O resto é minoria. E eu vou mais longe: se até na literatura você não encontra um livro que venda mais do que 30 mil exemplares, como querer que a TV ocupe esse espaço? Aqui, os jornais de maior tiragem chegam a 400 mil exemplares, enquanto o New York Times chega a 30 milhões."

Antônio Fagundes continua seus questionamentos. Para ele, a Constituinte é "uma grande palhaçada". O ator prossegue: "Do que adianta você botar lá: Está erradicada a miséria. Escrever isso no papel é uma coisa, outra muito diferente é ter condições reais de cumprir. É até ingênuo acreditar nisso. Papel a gente rasga e rasura. Reforma Agrária? As terras continuam nas mãos de pessoas que vão lutar, com os poderes que têm e boas armas, para manter seus Interesses. Para mudar este País só mesmo uma reforma de base, e aí sim, partiríamos para criar novas leis, porque as antigas estariam ultrapassadas. O caminho certo não será através de Constituinte, da imprensa ou de novelas de TV, mas de um sistema de Governo que crie fatores reais para uma digna convivência em sociedade."

"Nunca vi ninguém ganhar dinheiro honestamente. Isto aqui é um Pais de trambiqueiros'' A frase é da personagem de GLÓRIA PIRES em Vale Tudo. Aos 21 anos, ela é o retrato da jovem totalmente absorvida pela ambição de "vencer na vida", pela qual submete-se a qualquer jogo sem medir conseqúências. Para Glória Pires, ela é ''fruto de uma geração que se acostumou a viver num País que valoriza os golpes sujos, as falcatruas, a corrupção e o suborno". Glória se empenhou na busca de valores inescrupulosos para compor o tipo. A atriz vê na história de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères uma oportuna forma de denúncia social.

- A mentalidade dos jovens de hoje é esta: o importante é se dar bem, não importa como - diz a atriz. Ganha quem der o melhor golpe. As pessoas acabam se habituando com essa história de pistolões, de pagar mais caro ao porteiro da boate para poder entrar, e serem obrigadas a desembolsar 200 cruzados para o garoto que guarda o carro, porque, de contrário, corre o risco de tê-lo depenado quando voltar.

Glória afirma que atualmente tudo o que vê e lê nos noticiários a deixa indignada. E acha que os autores nem precisam "dar nomes aos bois" em sua história da telinha para criticar a "caótica situação do Brasil'', como lembra: "Há uma falta de perspectiva geral. Uma coisa tão assustadora esse salário mínimo! O povo nas mãos dessa gente e sem poder fazer valer seus direitos. Essa Constituinte é uma bagunça, uma grande brincadeira. Os valores estão todos Invertidos. Todo mundo se acostumou com a impunidade, como se fosse uma coisa normal."

Aos 24 anos, Glória critica a postura da nova geração: "É cada vez mais crescente o uso de drogas e o número de Pessoas com problemas sexuais. Até a liberação feminina retrocedeu. Na década de 70 ela era realmente forte. As pessoas acham que eu sou puritana. Não sou nem um pouco. Ando pelada dentro de casa, tomo banho nua com a minha filha... Mas não acho que liberação seja posar nua para revistas machistas só para satisfazer o prazer alucinado dos homens. Hoje, nada mais me choca, a não ser a violência que já alcança requintes inacreditáveis."


Publicado no Jornal O Dia
15/5/1988
véspera da estreia de Vale Tudo


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CLIPE DA ESTREIA




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CHAMADA DE ELENCO

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