quarta-feira, 11 de maio de 2011

ALÉM DA NOVELA - DISCUSSÃO POR CARTAS AOS JORNAIS

Vale Tudo hoje movimenta diversos meios sociais onde os telespectadores podem discutir suas histórias, situações e cenas. A começar pelo twitter, que se tornou o grande must disseminador da novela, o facebook, nós aqui no blog... Mas na época de sua exibição, a forma mais fácil de publicizar opiniões eram as cartas dos leitores enviadas aos jornais e revistas.

Naquela época, duas cartas podem chamar a atenção para o pensamento moral do brasileiro e aproveitamos para publicar no dia em que o Brasil acordou com a notícia da aprovação da União Estável para casais homossexuais.

A questão julgada pelo STF e vencida por unanimidade garante aos casais que entrarem na justiça o direito de serem reconhecidos legalmente e, portanto, com direito a herança, adoção, previdência, plano de saúde conjunto e até pensão.

Em Vale Tudo, esta questão foi discutida pelas personagens Laís, interpretada por Cristina Prochaska e Cecília (Lala Deheinzelin). O casal vivia junto há muitos anos e eram sócias de uma pousada em Búzios.  Cecília, irmã de Marco Aurélio (Reginaldo Faria) sofre um acidente de carro e morre. Sua morte gera uma discussão importante relacionada à herança. Cecília havia deixado a minuta de um testamento doando sua parte na pousada para Laís. Era necessário ter este documento, afinal, a lei não garantia à sua companheira este direito.

Apesar de todos afirmarem que a morte de Cecília foi um movimento da censura e do público que rejeitou a história, Gilberto Braga sempre disse que a morte da personagem estava prevista desde o início. O autor era amigo do artista plástico Jorginho Guinle e seu companheiro Marco Rodrigues. Com a morte de Jorginho em 1987, Marco precisou entrar na justiça para ter direito à herança.

Leia abaixo as duas cartas trocadas entre os leitores.

Jornal do Brasil - Carta de 20/09/1988


respeito de algumas cartas publicadas no Caderno B sobre censura à novela Vale tudo envolvendo a questão homossexualismo, em que as pessoas defendem a censura como forma de se preservar a moral e a boa formação das famílias, cumpre-se fazer uma análise: 

1) Sobre alguns personagens. Fátima - vende a casa da mãe no Sul e a deixa, juntamente com seu avô, na rua; mente, engana, forja, despreza sua mãe no Rio e arruína sua (da mãe) vida sentimental. Casa-se e mantém um amante. Odete - pressiona todos os familiares, fazendo com que vivam à sua maneira; mantinha rapazes para sua satisfação sexual (uma senhora!). Marco Aurélio - rouba, desfalca e compra satisfação sexual com jovens artistas iniciantes.

2) Sobre personagens solteiras sem fortes compromissos: Celina, Eugênio; Jarbas, sua irmã, Aldeíde, Pollyana, Rachel, Renato, Solange, André, Leila, Marco Aurélio, Odete etc...

3) Sobre segundas núpcias: no início da novela não havia um só casamento que tenha sido em primeira núpcia: vejamos: Rachel separada, posteriormente viúva: Ivan separado de Leila, um filho: Marco Aurélio, separado de Helena, um filho; Bartolomeu, separado, um filho; casado com Iris Bruzzi (foge-me o nome da personagem) que é separada, com uma filha...

Como se vê toda a novela é um "atentado à boa formação familiar" e os moralistas e puristas não reclamam. Reclamam, sim, do único relacionamento que, apesar de fugir aos padrões normais, era duradouro, baseado no amor e no carinho... o amor homossexual de Laís e Cecília. São falsos moralistas; e preconceituosos, que se chocam com as variantes do amor, aplaudem a censura a esse amor e não reclamam da corrupção, safadezas que infestam o restante da novela. Todo tipo de censura é ultrajante e aviltante, ao autor, aos atores e a nós telespectadores que sabemos pensar e discernir o certo do errado. - (ass.) - Rio de Janeiro

Jornal do Brasil - 8/11/1988

O assunto Vale tudo e outras novelas permite o desenrolar das mais diversas opiniões. Não-pretendia abordá-lo, não fora a carta da leitora [...], (Caderno B, 20/9/88). Sua exposição sobre o maucaratismo que envolve toda a novela (que por isso mesmo não deveria ter sido escrita e muito menos exibida na TV) se choca com sua incoerência quando defende a parte censurada da trama: o envolvimento homossexual de duas mulheres. Amizade duradoura é um relacionamento bonito que atravessa os anos, fortalece-se com a maturidade e dificilmente morre, como sói acontecer com o amor ou mais comumente com a paixão. Ter amigos (de ambos os sexos) e conservá-los é uma das belas coisas da vida. Tive-os e tenho-os; não são muitos mas com eles posso contar e a eles dou as mãos.

Entretanto, manter relacionamento "fora dos padrões normais" (como cita a missivista) e aceitar como válida e como assunto a ser explorado aquilo que deveria ficar "entre quatro paredes" é, no mínimo, querer ferir suscetibilidades. Se não for mesmo para escarnecer. Infelizmente, hoje sabemos que as lésbicas representam uma grande parte da população feminina; não nos compete julgá-las nem descriminá-las; aceitar, porém, como natural uma coisa totalmente antinatural já são "outros quinhentos" Como se dá um relacionamento homossexual? Não precisamos tê-lo nem vê-lo para sabermos que só é possível com uso de artifícios. Se se usa artificio não se é natural. Não é questão de "padrão normal" de preconceito, de "atentado à boa formação familiar", de moralismos ou de puritanismos: - é uma questão de "ser ou não ser" (sem plagiar Hamlet). Ou somos heterossexuais e temos um relacionamento masculino-feminino (como todos os seres vivos em que os dois sexos são definidos) ou usamos uma série de artifícios e aparentamos uma relação sexual homóloga. - [ass.] - Rio de Janeiro – RJ

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