Todos os dias, de segunda a sexta, quando ouvimos aquele som que identifica a música "Brasil" já sabemos: começou mais um capítulo de Vale Tudo.
Já sabemos que Vale Tudo, um dos maiores sucessos da teledramaturgia brasileira de todos os tempos, foi uma espécie de desabafo que atingiu a todos os brasileiros que sentiam a decadência que o país enfrentava. Era a recuperação de uma economia fechada e destruída pelos anos finais da ditadura militar.
A novela, exibida em 1988, surgiu num momento importante para a história nacional. Ano das Diretas Já, movimento que garantiu o direito de elegermos nossos governantes, tentativa de reestruturação da economia que se abria para o mercado externo.
Cazuza, um dos poetas mais geniais de sua geração, compôs a música que emocionaria aos telespectadores que acompanhavam a trajetória da heroína Raquel Acioli, que acreditava ser possível vencer com honestidade no Brasil.
No livro "Só as Mães São Felizes" (ed. Globo, 1997), Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, relata o momento em que além de fazer sucesso na TV na voz de Gal Costa, Brasil foi considerada um dos melhores trabalhos do cantor. Numa ocasião, em um show realizado no Canecão, alguém da plateia (uma prima de Cazuza) jogou uma bandeira brasileira enquanto ele cantava a música. O poeta agiu imediatamente e cuspiu na bandeira - duas vezes.
Cazuza olhou enviesado para a bandeira e cuspiu em cima. Embora ele tivesse visto que foi sua prima quem atirou a bandeira, nunca a denunciou. Costumava dizer que um ufanista havia cometido um gesto tresloucado, porque o Brasil não estava em condições de receber manifestações daquele gênero. Uma inflação de 900% corroía nossa economia, as denúncias de irregularidades e o assassinato de Chico Mendes cobriam de tristeza e desilusão o país que meu filho tanto amava. Cazuza cuspiu na bandeira e o show prosseguiu.
Depois de toda a polêmica, o empresário Humberto Saad repudiou a atitude de Cazuza que confirmou numa entrevista ter cuspido mesmo. Cazuza escreveu uma carta para ser publicada no Jornal do Brasil, mas que só fui realmente ao público depois da morte do poeta. Leia abaixo a carta:
O senhor Humberto Saad declarou que eu não entendo o que é a bandeira brasileira, que ela não simboliza o poder mas a nossa história. Tudo bem, eu cuspo nessa história triste e patética.
Os jovens americanos queimavam sua bandeira em protesto contra a guerra do Vietnã, queimavam a bandeira de um país onde todos têm as mesmas oportunidades, onde não há impunidade e um presidente é deposto pelo 'simples' fato de ter escondido alguma coisa do povo.
Será que as pessoas não têm consciência de que o Vietnã é logo ali, na Amazônia, que as crianças índias são bombardeadas e assassinadas com osmesmos olhos puxados? Que a África do Sul é aqui, nesse apartheid disfarçado em democracia, onde mais de cinqüenta milhões de pessoas vivem à margem da Ordem e Progresso, analfabetos e famintos?
Eu sei muito bem o que é a bandeira do Brasil, me enrolei nela no Rock'n'Rio. Vamos amá-la e respeitá-la no dia em que o que está escrito nela for uma realidade.
Por enquanto, estamos esperando"
A música tem uma força tão grande que na exibição de Vale Tudo fora do Brasil, a letra foi substituída por uma versão instrumental.
Veja o video da música com Cazuza e Gal Costa no show Ideologia de 1988
Versão Internacional da Abertura de Vale Tudo com a letra suprimida por ser considerada "ofensiva"
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